domingo, 3 de fevereiro de 2013

Volta as aulas


Mais um inicio de ano, o casal senta com a lista de material escolar em mãos.
- Pronta?
- Pronta!
- Então vamos lá.
- Quatro cadernos. 
- Quatro cadernos? Eles não precisam de tantos cadernos assim. Não vão escrever tanto. E agora com esse negócio de internet, o professor não passa mais lição no quadro. Vamos comprar um.
- Um só?
- Amor, não é a maquina que faz um bom fotografo, não é a chuteira que faz um bom jogador, não são os materiais escolares que fazem um gênio.
- Mas um só?
- É, compramos um de vinte matérias, o Pedro usa de manhã o Leo a tarde.
- Ok, um caderno.
- Uma caneta azul, uma preta, uma vermelha.
- Vermelha?
- Ta aqui.
- Pra que vermelha?
- Não precisa de vermelha. Ninguém usa vermelha. Só o professor. Pode reparar. Nunca sumia a vermelha. Porque ninguém usava.
- Em compensação a azul e a preta.
- Então compramos uma azul para o Leo e a preta para o Pedro.
- Ok, azul e preta.
- Próximo item. Lápis de cor.
- Lapis de cor não né.
- Eles já foram para o sexto ano, ninguém usa lápis de cor no sexto ano.
- É só para dar volume no estojo.
- Lapis de cor não.
- Lapis preto, dois.
- É, lápis precisa.
- Dois?
- Vamos dar esse luxo pra eles.
- Ok.
- Mas marca ai pra comprarmos aqueles que vem com a tabuada que é pra não precisar comprar a calculadora.
- Ta.
- borracha, apontador, cola, tesoura...
- Acho que cola e tesoura não precisa.
- Será?
- Usa pouco. Se precisarem pede pra um amiguinho. Ninguém usa todo tempo. Empresta do amigo, cola o que tem que colar, corta a o que tem corta e devolve.
- Verdade, ainda aprende a dividir e devolver as coisas.
- Exatamente.
- Regua.
- Não, usa a capa do caderno. Tem quase trinta centímetros, da na mesma.
- Estojo não, não tem nada pra colocar dentro.
- Dicionario?
- Tem na biblioteca.
- Compasso.
- Compasso? Pra que compasso? Nunca usei compasso no colégio. Só usava pra furar os outro, ou quando perdia o lapis, ai usava a outra pontinha. Fora isso, nunca.
- Ok, compasso não. Folha sulfite? dois pacotes.
- Vamos falar que somos contra, que o desmatamento está ai, que se for preciso eles copiam a prova numa folha de caderno.
- Boa.
Continuam verificando.
- Agenda?
- Agenda?
- É, agenda, ta escrito aqui.
- Pra que agenda? Eles só tem doze anos. O que eles precisam anotar na agenda. Que criança compromissada é essa que precisa de agenda?
- Aqui ta dizendo que é obrigatório.
- Obrigatório?
- Ta aqui.
- Pega aquela que eu ganhei de amigo secreto, ta novinha.
- Mas é de 2008.
- Não tem problema, não sei onde eu vi que os dias da semana de 2013 vão cair nos mesmo de 2008.
- Ok. Mas só tem uma.
- O Pedro usa metade de cima da folha o Léo a metade de baixo, os dois estão nos mesmo dias, não tem necessidade de comprar outra.
- Certo. Mochila.
- Pra que mochila? Só vão carregar um caderno, caneta e agenda.
- Mas e os livros escolares?
- Tem isso né.
Silencio.
- Vou conseguir um atestado pra eles alegando que não podem carregar peso. Assim podem deixar os livros na escola.
Silencio.
- Acho que é isso então. Parece tão pouco.
- Nada, daqui dois meses eles teriam só isso mesmo. É só o que precisam.

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- Quando começa as suas aulas?
- Amanhã.
- Amanhã? Já?
- Sim.
- Tem certeza?
- Sim.
- E você não me falou nada.
- Pai, você devia saber.
- Por que eu deveria saber?
- Porque você é meu pai, pai.
- Tem certeza que é amanhã. Não é depois do carnaval?
- Sim.
- Por que não começaram depois do carnaval. Agora começa as aulas, ai já tem o feriado de carnaval.
- Pois é.
- Você só vai depois do carnaval.
- Mas pai.
- Não tem mais pai. Eu te dou mais essa semana de férias.
- Brigadão pai.
O pai e a mãe estão parado na porta do quarto do filho, que dorme, com um sorriso no rosto.
- Nossa, como ele ta feliz.
- Nem parece aquela criança que foi dormir brava porque não queríamos deixar ele faltar no primeiro dia de aula.
Fecham a porta do quarto lentamente.

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O pai está na sala, o menino está indo para o quarto, o pai o chama.
- Filho.
- Oi?
- Senta aqui, o papai quer falar uma coisa com você.
- Ãhm.
- Amanhã é o primeiro dia de aula.
- Sim, eu sei, estou ansioso.
- Eu sei que você está ansioso, por isso mesmo queria te dizer algumas coisas.
- Fala.
- A escola é legal, mas tem algumas pessoas que não são tão legais assim.
- Pai, na minha sala só vai ter crianças, igual eu.
- Não, vão ter outras também. As grandes.
- Eu não sou grande?
- Sim, é grande filho, mas já estamos melhorando sua alimentação pra você emagrecer.
- Oi.
- Nada. Você é grande. Mas o que eu estou querendo dizer é que não é pra você ligar para quem mexer com você.
- Como assim, mexer comigo?
- É, tipo falarem que você é orelhudo. Gordo. Que parece o Dumbo.
- Mas eu não sou orelhudo.
- Não, sua orelha é assim pra você ouvir melhor.
- Quem é Dumbo.
- Ninguém, ninguém.
- Dumbo. Dumbo.
- Presta atenção no papai.
A criança volta a olhar para o pai.
- Se você não for escolhido para o time de futebol não liga. É por inveja.
- Mas porque eles não vão me escolher.
- Eu não to falando que eles não vão te escolher. To falando, caso não escolham é porque você é muito bom.
- Igual você.
- Igual o papai.
O menino sorri.
- Outra coisa, são as meninas.
- Ui, eu não gosto das meninas.
- Menos mal, pelo menos por hora você não vai sofrer. – resmunga.
- Oi?
- Nada. Nada. O que o papai ta tentando dizer é que não acreditem em nada que as outras crianças falarem sobre você.
- Mas eles não me conhecem.
- Isso mesmo. Mas depois quando conhecerem e falarem, você fala para o papai.
- Ta.
- E se tentarem te bater você corre.
- Oi?
- Não, não corre, você não vai aguentar. É melhor revidar.
- Revidar?
- É, bater de volta.
- Mas o papai disse que não era pra eu bater em ninguém.
- Esquece o que o papai disse. Bate de novo. Lembra como você batia na sua irmã?
- Lembro.
- Então, faz isso.
- Ta bom. Agora posso ir?
- Pode. O papai te ama, não acredita no que te falam.
- Ta.
A criança vai saindo.
- Acho que vou gostar da escola.