terça-feira, 19 de novembro de 2013

ORELHÃO

Os orelhões estão entrando em extinção, estão abandonados, os poucos que restam estão descuidados. Eles que já foi motivo de briga, formava-se filas e filas para poder chegar nele, começaram a sair gêmeos, trigêmeos, casinhas só pra eles. Hoje em dia são motivo de vergonha, ninguém quer ser visto num orelhão, só servem como apoio para propaganda para garota de programa e pra te proteger da chuva inesperada.


Clark Kent está indo cobrir uma matéria para o Planeta Diário quando ouve um grito: “SOCORRO!”. Então ele corre para ajudar. Mas antes tem que se “transformar” no super-homem. Corre um quarteirão a procura de uma cabine telefônica. Dois quarteirões. Três. Mais um grito: “SOCORRO!”. Dez quarteirões e nada de uma cabine telefônica. Decide parar e pedir informação.
- Oi, a senhora pode me dizer onde eu encontro um telefone publico.
- Olha, pior que acho que por aqui não tem mais.
Ele fica olhando em volta, daquele jeito que só quem está perdido olha.
“SOCORRO”
- Mas o senhor não tem celular?
- Tenho.
- Então, pra que quer um telefone publico?
- Esquece.
Volta a correr.
20 quarteirões depois, acha. Se troca. Entra em ação. Quando chega ao local do crime a vitima já está sendo socorrida pelos policias.
- O que houve?
- Ela foi assaltada, levaram tudo dela. Ela gritou mais não adiantou.
E o super-homem vai embora pensando o que aconteceu com todas as cabines telefônicas.

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Avo e neto estão passeando pela rua, quando o neto vê algo que chama a atenção.
- Vovo.
- Oi?
- O que é aquilo do outro lado da rua?
- Um mendigo.
- Não vovo, do lado do mendigo.
- Outro mendigo.
- Não vô. Do lado, aquele negócio que parece um cogumelo.
- Ah!, aquilo é um orelhão.
- Orelhão?
- Sim. Um telefone.
- Celular?
- Não, fixo.
- Um celular fixo?
- Não, um telefone fixo.
- Celular?
- Não. Não. Tipo um celular, mas que não sai do lugar.
- Um celular com fio.
- Mais ou menos.
- Mas da pra entrar na internet?
- Não.
- Jogar?
- Não.
- Tirar fotos?
- Não.
- Então pra que serve?
- Pra ligar.
- E o que mais?
- Só.
- Só?
- Só!
Silencio.
- Mas que é que usa?
- Hoje em dia quase ninguém. Mas antigamente todo mundo usava.
- Só pra ligar?
- Sim.
- Mas qual é a operadora?
- Não tem operadora. É tipo um telefone de casa, mas da rua.
- Telefone da casa do mendigo.
- É, pode se dizer que sim.
- Mas quem pagava a conta?
- Quem usasse.
- Como assim?
- Usava ficha.
- Ficha?
- É, ficha. Tipo fliperama.
- Flipe o quê?
O avo fica olhando para o neto.
- Nada, vamos embora não serve para nada isso mesmo.
Os dois saem, toca o orelhão.

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No orelhão
- Alou quem fala.
- Marina.
- Oi marina, então, eu vi teu anuncio aqui no orelhão.
- Sim.
- Você é completinha.
- Sou sim.
- Morena cor de jambo.
- Isso.
- O que é um jambo mesmo?
- Uma fruta.
- Uma fruta morena?
- Escura.
- Escura tipo jabuticaba?
- Não, um escuro mais puxando para o marrom.
- Entendi. É que eu nunca comi um jambo.
- Então vem comer esse jambo aqui.
- E se eu não gostar de jambo?
- Ai eu posso ser outra fruta.
- Outra fruta tipo jabuticaba?
- Mas que fascinação é essa por jabuticaba?
- Coisa da minha infância.
Silencio.
- Ok, pode ser. Vem logo chupar essa jabuticaba.
- Ótimo. Então ta, chega de enrolação que o meu cartão telefônico está acabando e eu ainda tenho que ligar para minha tia lá no interior.
- Você está ligando de um orelhão?
- Sim, como eu descobria o seu telefone se não tivesse vindo até um aqui.
Silencio.
- por que, algum problema?
- Sim.
- qual?
- Se você está ligando de um orelhão quer dizer que você não tem dinheiro.
- Como você sab... quer dizer, claro que eu tenho.
- Não, não tem.
- Tenho sim.
- Não tem.
- Tenho sim.
- Não tem.
- Te... vamos parar com isso só tenho mais 3 unidades... me diz logo onde você está, que assim que eu ligar pra tia eu vou pra ai.
- Nem venha.
- Mas...
- Vou pedir para o meu gerente de marketing mudar a estratégia. Tchau.

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Um casal de mendigos dormindo na calçada, toca o orelhão da rua onde eles “moram”.
Nenhum dos dois reage.
Toca. Nada.
Toca de novo.
- Ei, atende lá.
- Eu não, atende você.
Toca.
- Eu atendi da ultima vez.
- Então, atende de novo.
Toca.
- Mas não é pra mim.
- Como você sabe?
Toca.
- Por que todo mundo sabe que eu não atendo telefonema essa hora.
Toca.
- Todo mundo quem?
- Todo mundo que me liga.
Toca.
Silencio.
Toca.
- Você não vai atender?
- Não.
- Mas e se for urgente.
Toca.
- Ai liga de novo.
Silencio.
Toca.
Ele levanta. Vai até o orelhão. Atende.
- Alou... não... não tem ninguém com esse nome aqui... não... não... passar bem.
Volta a para o papelão.
- E ai quem era?
- Era engano.
Silencio.

- Nossa, quem é que liga enganado em pleno 2013.

sábado, 16 de novembro de 2013

TRANSITO

No transito. Véspera de feriado. Oito horas sem sair do lugar, numa viagem que demoraria no máximo duas. Ninguém mais está dentro do carro. Todo mundo fora esticando as pernas. O carro vermelho da moça loura está bem ao lado do carro preto do moço moreno.
- Será que foi acidente? – ele pergunta, tentando puxar papo.
- Não, eu estacionei na rua, quando eu voltei já estava amassado.
Ele olha para ela sem entender.
- A você não estava falando do amassado na traseira do meu carro?
- Não.
Ela sorri sem graça.
- Tava falando do porquê do transito.
- É, agora eu entendi.
Silencio. Os dois voltam a observar o “movimento”.
- Não é não.
- Oi?
- Acidente.
- Ah...
- É normal já. Cada feriado piora.
- Sim.
- Eles mostram todos os anos na televisão, nós passamos por isso sempre e mesmo assim não aprendemos.
- Verdade. Todo mundo acha que vai ser mais esperto saindo mais cedo, o problema é que todo mundo se acha esperto.
- É.
Silencio.
- Você se arrepende.
- Do quê?
- De ter vindo.
- Ainda não.
- Ainda não?
- Se durar mais duas horas o transito vai dar tempo de eu me arrepender.
Ele ri.
- E você?
- Não, se não fosse o transito eu não teria te conhecido.
A frase dele é entre coberta pelas buzinas.
- O que você disse?
- Nada.
Silencio.
- Dificil ver alguém da sua idade indo sozinha para a praia.
- Ah, não. Nada. Só estou indo sozinha. Minhas companhias já estão lá.
- Ah...
- Namorado?
- Não, vou tou indo para casa de uns amigos. Alias, tem duas amigas lá, o resto nem conheço. Sabe como é casa de praia.
- Sei, eu também estou indo na mesma situação, só conheço uma pessoa na casa que estou indo. Tava sem opção.
Silencio.
- Agora você conhece mais alguém.
- Conheço?
- É, eu.
- Pois é. Mas eu não te conheço direito. Como é seu nome.
Quando ela vai falar as buzinas recomeçam, ela por estar distraída nem percebeu que o transito andou. Ela entra assustada e sai sem dizer o nome ou qualquer outra informação. Transito tem dessas coisas, a maioria começa e termina do nada e sem explicação.

Depois de dez horas de viagem, e ter a honra de fazer parte do maior transito da história, ela chega na casa da praia.
Doze horas depois ele chega, procura uma vaga em meio a tantos carros estacionados – isso explica o fato de ter tanto transito cada um vai com o seu próprio carro. Ele acha uma vaga ao lado de um carro vermelho mal estacionado. Encaminha-se para dentro da casa, quando está entrando da de cara com a moça loira, dona do carro vermelho mal estacionado, a mesma do carro vermelho do transito.
Casa de praia tem dessas coisas, cada um vai com o seu carro, mas acaba todo mundo ficando na mesma casa.

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Segunda-feira:
- e ai como foi de viagem?
- Foi boa.
- Deu pra descansar.
- Não muito não.
- A curtiu um monte então, praia dia e noite.
- Então, não cheguei a ir para praia.
- Ué, mas ia.
- Não, acabei de ficando no transito.
- Oi?
- Cê sabe né, feriado curto, bate e volta, só deu tempo de curtir o transito. Fiquei dois dias no transito, quando eu cheguei lá achei melhor já voltar para dar tempo. Foi bom.

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- Que horas vamos sair?
- de madrugada, pra não pegar transito.
- Não funciona mais. Todo mundo sai de madrugada. Todo mundo tem a mesma idéia.
- Será.
- Roberto?!
- Ok, então vamos sair cedinho.
- Todo mundo vai sair cedo também.
- Mas nós vamos sair bem cedo.
- Todos saem bem cedo.
- Bem cedo.
- Roberto?!
- Então vamos amanhã depois do almoço, ai todo mundo já vai estar na praia e nós não pegamos transito.
- Quem não vai de madruga, não vai cedo, vai esse horario Roberto, logo vai ter transito.
- Vamos amanhã a noite.
- Ai nós perdemos o feriado.
- Vamos agora.
- Eu não terminei de arrumar as minhas coisas.

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No transito.
- (ao telefone) alou.
- Oi Luis, traz pão.
- Amor eu estou preso no transito.
- Então a hora que sair do transito, passa na padaria e traz.
- Mas ai eu vou pegar um novo transito.
- Não tem problema, é para comer amanhã cedo.

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Ao telefone.
- Amor, to quase chegando.
- Está onde?
- To no transito.
- Também?
- Como assim também?
- Eu também estou.
- Ufa, pensei que já estava ai me esperando. Estava me culpando por não ter saído antes.
- Mas culpe-se, eu poderia já estar esperando.
- Ta, mas não está.
- Não estou porque eu estou no transito, se não fosse o transito eu já tinha chegado.
- Mas se não fosse o transito eu também já teria chegado.
- Não é desculpa.
- Mas você também está usando como desculpa.
- O meu não é desculpa, o meu é verdade.
- O meu também.
Silencio.
- Onde você está?
- Estou quase chegando.
- Espero que esteja mesmo, não quero ficar esperando.
- Mas você nem está ai... quer dizer lá.
- Mas e se eu estivesse.
- Mas não está!
Silencio.
- Chegou?
- Quase.
- Agiliza.
- Você já chegou?
- Não, estou longe.
- Então.

- Andou aqui vou desligar, não se atrase.

sábado, 9 de novembro de 2013

VENDE-SE FÉRIAS

Já na cama, se arrumando pra ir dormir.
- e ai amor, já decidiu onde vamos passar as férias esse ano?
- Sabe que eu tava pensando, queria passar um tempo em casa.
- Como assim?
- Todas as férias a gente viaja, fica pra lá e pra cá e eu acabo nem descansando.
- Não to entendendo.
- A gente tem tanta coisa em casa. trabalhamos um bocado pra conseguir a casa do jeito que queríamos, mobiliamos com o bom e o melhor, gastamos tudo pra deixar tudo do nosso jeitinho e não aproveitamos nada. Ficamos o dia inteiro trabalhando, saímos jantar, só dormimos em casa praticamente, acabamos não aproveitando nada.
A mulher fica em silencio ouvindo.
- Temos que aproveitar mais o nosso espaço. Usufruir do que corremos atrás para conseguir.
Ela segue olhando para ele.
- Nosso condomínio tem tanta coisa, piscina, academia, parquinho, quadras, bibiblioteca... tudo, e quando usamos? Nunca! Pagamos por isso. E não usamos, porque, por causa do trabalho e estar sempre na rua. Isso é um descaso, quantas pessoas não queriam ter o tanto de coisa que nós temos acesso? Muitas. E nós temos, mas não aproveitamos. Enfiam acho que deveríamos ficar em casa nessas férias e aproveitar todas essas oportunidades.
Os dois fazem silencio. O marido desliga o abajur do seu lado e fecha os olhos. A mulher fica parada na mesma posição.
Silencio.
O marido não se aguenta. Liga a luz e senta.
- Ok, vamos fazer uma viagem simples, poucos dias, hotel barato, só pra não passar em branco.
A mulher sorri. Balança a cabeça. Desliga a luz do abajur do seu lado da cama e se deita. O marido também.
Silencio.
- Aproveitar mais a decoração da casa.
Silencio.
- Vai que cola.

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O marido chega em casa a mulher está ao telefone, enquanto assiste televisão e lixa as unhas do pé. Ele senta, pega o controle, troca de canal, ela afasta o telefone da boca.
- Eu to assistindo.
Ele só olha para ela.
- Não, não era com você não – volta a falar ao telefone – era com o Patricio que chegou... – afasta o telefone e fala com ele – ela ta te mandando um beijo.
- Quem é?
- Ele mandou outro – de volta no telefone – Então, e ai, já sabe onde vai pular as ondinhas de ano novo?... como assim não vai?... Não conseguiu casa?... não... não... Ta, mas não pode deixar de pular. Quer estragar seu ano?
O marido mexe no celular.
- (ao telefone) Não, não, não, vocês vão com a gente.
O marido para de mexer no celular.
- Quem é?
- (ao telefone) Vai, tem lugar sim.
- Não tem.
- (ao telefone) Tem...
- Simone não cabe mais ninguém na casa...
- (ao telefone) Claro que cabe.
- Não cabe.
- (ao telefone) Cabe sim, pode ficar tranquila.
- Não fala isso.
- (ao telefone) A gente da um jeito. Se aperta.
- Já ta apertado.
- (ao telefone) Casa de praia é igual coração de mãe né.
- Vou acabar enfartando.
- (ao telefone) E outra, ninguém vai para praia para dormir.
- Eu vou.
- (ao telefone) Vamos pra curtir. Já dormimos o ano inteiro.
- Eu não durmo, trabalho, quero dormir na praia.
- (ao telefone) Quem quiser dormir que fique em casa.
- Com quem você está falando?
- (ao telefone) Vai com a gente, o Patricio não liga.
O marido está em pé, falando não, mimicamente falando.
- (ao telefone) Ele que deu a idéia. Se você não for com a gente ele vai achar que é algo contra ele.
Ela ignora o homem bate os braços na sua frente.
- (ao telefone) Então ta combinado, pode ficar tranquila que sem pular as ondinhas você não fica... não... não... claro, lógico que pode levar o gato.
O marido desiste. Senta ao lado da mulher, bravo.
- (ao telefone) Ta bom, vou desligar e ir preparar a janta porque tem alguém de cara feia aqui na minha frente, acho que é fome... não, não tem que agradecer... Beijo. Tchau, tchau...
Desliga o telefone.
- Com quem é que você estava falando?
- Você não conhece.
Levanta e vai para a cozinha.

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Marido e mulher estão jantando.
- Passa o sal.
Ela passa.
- Comprei as malas para a viagem.
Ele fica em silencio.
- Então, tenho que te falar uma coisa...
- O que foi?
- Eu não vou poder viajar com você.
- Como assim não vai poder viajar comigo?
- Não vou poder...
- Mas não tem como não poder, as passagens já estão compradas.
- Eu não vou ter férias.
- não vai ter férias?, mas como, estamos planejando viajar juntos desde o começo do ano.
- Pois é, mas não vou ter.
- Por quê?
- Porque vendi a minhas férias.
- Não acredito nisso, pode devolver o dinheiro, falar para o seu chefe que se arrependeu.
- Mas eu não vendi para o meu chefe.
- Oi?
- Não, vendi pro meu colega de trabalho.
- colega de trabalho?
- É. O Milton da contabilidade.
- Então vocês trocaram, ele vai pegar no seu lugar.
- Não, ele comprou as minhas férias.
- não to entendendo.
- Ele vai viajar com você.
- Viajar comigo?
- Sim, ele comprou as minhas férias, mas não tinha o que fazer então eu falei que tinha uma passagem comprada para o fora e ele comprou de mim.
- Mas e eu?
- Vai com ele.
- E você?
- Eu me viro.
Silencio.
- Passa o arroz.
Ela passa.

- Eu tava precisando desse dinheiro. E outra férias a gente tira todo ano e só serve para dar gasto.