Pai e mãe sentam de frente para o
filho.
- Filho, acho que a gente precisa
conversar.
- Vocês vão se separar?
- Não...
- Se for isso ok, eu não ligo, só
quero um vídeo game em cada casa e uma mesada de cada um, afinal de contas
agora só ganho uma porque vocês moram juntos. Vocês separando fica melhor para
mim.
- Não é isso, ta doido.
- Eu e o seu pai nos amamos.
- Tem certeza, pode ser engano. Vocês
acham que se amam mais é só ilusão. Tem muita gente no mundo. Pensem direito.
- Filho. Nós não vamos nos separar.
- Droga. Então o que é?
- Seguinte, não sabemos muito como
dizer isso.
- É difícil.
- Mas você já está virando um hominho.
10 anos.
- dez e meio pai.
- Dez e meio. Isso. Dez e meio, já
sabe assimilar as coisas.
- Já sabe que o mundo que vivemos as
vezes pode ser cruel.
- Tipo levando o Rex.
- Ou a sua avó.
- Mãe nós estamos falando das coisas
ruins que o mundo fez.
O papai concorda com o filho.
- Então acho que está na hora de você
saber.
- Fala de uma vez Nunes.
- Ta na hora de você saber que o Papai
Noel não existe.
Silencio.
- Porra pai. Sério?
- Sério, não existe. Sei que é difícil
para você assimilar isso agora, mas logo tudo vai ficar mais claro pra você.
- Não, to falando sério que você achou
que eu ainda acreditava que o papai noel existisse.
- Não acreditava?
- Vocês sabem que eu tenho acesso a
internet né.
Os pais ficam olhando para o filho.
- E o coelhinho da pascoa.
O filho balança a cabeça como se
dissesse que também já sabia que não existe.
- Fada do dente?
- monstro do armario, velho do saco...
- sei que tudo isso é inventado.
- Então por que não nos falou antes?
- Porque eu não queria decepcionar
vocês.
Silencio.
- Posso ir?
- Pode.
O filho passa a mão na cabeça dos pais
para reconforta-los, vai para o quarto.
- Meu Deus, ingenuidade também não
existe mais.
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O marido chega do trabalho a mulher
está sentada a mesa, de cabeça baixa, escrevendo a mão.
- OI...
Silencio.
- o que você está fazendo,
psicografando uma carta?
- Não, estou fazendo a lista de natal?
- Já, mas estamos em novembro ainda.
- Ainda, não, já! Falta um mês.
- Então.
- Então que eu já estou fazendo.
- Ok.
- O que você vai dar para sua mãe?
- Não sei.
- E para o seu pai.
- também não sei.
- Seu irmão?
- Deixa eu ver... não sei.
- Nossa, você não esta ajudando.
- Ué, mas quem está fazendo a lista é
você.
- Só por isso você não pode ajudar.
- Não sei, ainda não estou sentindo a
magia do natal, então não consigo forçar.
- Então faz o favor de dar uma jeito
de baixar esse espirito que eu preciso de ajuda.
- O que você vai dar para o seu irmão.
- Acho que aquela gravata que eu
ganhei de aniversário, lá do pessoal da empresa.
- Mas você usou?
- Não, você acha que eu ia usar aquela
coisa horrível?
- Ok, então já economizamos aqui. E
pra sua mãe?
- Podemos dar aquele jogo de chá que
você herdou da sua tia, ta encalacrado lá no quartinho.
- Boa! Seu pai?
- Você lembra onde eu coloquei aquele
canivete suíço que eu ganhei de amigo secreto.
- Sim, está naquela caixa de coisas inúteis
em cima do guarda roupas.
- Um presente a menos.
- ótimo.
- Quem mais?
- Minha mãe.
- O que temos sobrando?
- Deixa eu pensar... eu tenho um porta
CD que eu ganhei no amigo secreto do ano passado.
- Nossa senhora, quem é que tem CD
ainda?
- CD eu não sei, mas porta CD eu
tenho, alias minha mãe tem.
- Beleza. Agora seu pai...
- Posso dar o vinho da sexta de natal.
- Isso, não vamos passar lá mesmo, não
precisaremos tomar.
- Maravilha.
- Agora só falta o seu presente e o
meu.
Os dois se olham.
- Você não está pensando em reutilizar
um presente que ganhou em outra data para me dar né.
- Não. Ta louca.
- Então o que você vai me dar?
- é surpresa.
- Não precisa fazer surpresa pode
falar.
- Fala você primeiro que dai eu falo.
- Eu ainda estou escolhendo.
- Eu também.
Silencio.
- Acho melhor não trocarmos presentes
esse ano. Vamos dar em dinheiro.
- É melhor mesmo.
Daquele dia da lista de natal em
diante, nunca mais nenhum dos dois trocaram presentes, datas comemorativas
davam envelopes com dinheiro.
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Casa do Papai Noel. Julho.
Papai Noel está só de samba canção e
regata, deitado no sofá, assistindo televisão. A mamãe Noel está limpando a
casa. Ela tenta varrer a sala, ele atrapalha. Ela perde a paciência.
- Noel.
- Oi? – Ele fala sem tirar os olhos da
TV.
- Acho que você precisa arrumar um
emprego.
- Como assim arrumar um emprego? Eu tenho
um emprego.
- De um mês.
- Um mês e meio.
- Que seja. Acho que precisa arrumar
um emprego convencional, que trabalhe onze meses e folgue um, não que folgue
onze meses e trabalhe um.
- um e meio.
- Você entendeu.
- Não, não entendi. O que está acontecendo,
está faltando alguma coisa para você, estou deixando faltar...
- Não, não, ta doido.
- Ta, então o que é?
- Sei lá, é que eu vejo os maridos das
minhas amigas, eles estão sempre trabalhando.
- Mas eu não tenho culpa se meu
trabalho só exige um mês e meio de mim.
- Eu sei que você não tem culpa, mas
pode mudar. Por que você não arruma um trabalho normal, de contador, auxiliar
administrativo, caixa...
- Pera aí Mamãe, para de enrolar, fala
de uma vez o que há?
- Eu não aguento mais você em casa.
- Mas o que é que eu vou fazer lá
fora.
- Sei lá, vai levar teus veados para
passear.
- São Renas, já falei.
- Que seja, leva eles para passear,
vai dar uma olhada como andam as coisas na fabrica, mas sai de casa um pouco.
- Eu não quero que as pessoas me vejam
fora de época.
- Mas então tira a barba, assim
ninguém vai te reconhecer.
- Ta doida? minha ferramenta de
trabalho.
- Mas ainda faltam cinco meses para o
natal
- Mas e se não cresce? O que eu vou
fazer, a única coisa que eu preciso é barba e barriga, se eu não tiver barba
vou ser apenas mais um velho barrigudo, sem barba, um caminhoneiro.
Silencio. Ela fica olhando para ele.
- Amor, não odeie o papai Noel, odeie
o natal.
Ele fala e volta a assistir televisão.
Ela volta a tentar varrer a casa.
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O Papai Noel está sentado, a Mamãe
Noel está do lado distraída, quando volta a olhar para o Noel vê uma menina de
uns 16 anos, mas já com cara de mulher tirando foto no colo dele, a moça sai.
- Quem era aquela vagabunda no seu
colo.
- Que vagabunda.
- Você sabe muito bem de quem eu tou
falando Noel, não se faça de bobo.
- Ah, aquela mocinha.
- Hum mocinha, aquela mocinha. – repete
o que ele disse fazendo uma voz de idiota – sim, aquela mocinha.
- veio fazer um pedido e tirar uma
foto.
- Fazer um pedido, que pedido.
- Uma boneca, uma roupa, sei lá.
- Noel, Noel...
- Mamãe, você tem que se acostumar com
a porra do meu trabalho, sou pago pra isso.
- Pago pra isso, pago pra isso... o
senhor que não se esperte para ver se não vai ficar com o nariz vermelho igual
daquela tua Rena.
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Quinze para meia noite, véspera de
natal, festa de natal em família.
Começa uma briga na cozinha.
- Porque você é falsa. Só aparece no
fim do ano.
- Olha, mas se for para aparecer pra
pedir as coisas, como você, eu prefiro só estar junto no fim do ano.
- Tem vergonha da nossa família. Só
porquê ganhou um pouco mais de dinheiro...
- Muito mais...
- Viu!
Doze para meia noite.
Todos da sala já estão na cozinha tentando
descobrir o que está acontecendo. Alguns familiares mais escandalosos já começam
a chorar.
- Você é uma riquinha. Que quer
comprar todo mundo, traz presentes caros e acha que vai ganhar todo mundo, acha
que fazendo isso a família vai esquecer que você some. Ninguém aqui quer seus
presentes.
- Eu quero sim.
Uma criança das crianças que acordaram
por conta da briga.
Todos da família que estão assistindo
a briga balançam a cabeça concordando com a criança.
- Angelo, vai dormir o que você está
fazendo aqui, o papai Noel não vai aparecer.
- Que papai Noel o que, mané Papai
Noel, Papai Noel não existe.
Todos ficam chocados. As crianças que
estavam presenciando a discussão começam a chorar.
- isso, acaba com o natal das crianças
também, já não basta ter acabado com o natal dos adultos.
Oito minutos para a meia noite.
Metade da família ta chorando a outra
metade tentando saber o que aconteceu. A anfitriã da festa tentando apartar a
briga.
- Gente para de chorar, pessoal, não
briga, é natal, tem panetone, tem peru, tem uva passa, Carlos pega o pote da
uva passa lá. Pessoal, vamos pra sala ta passando o Roberto, não vamos deixar o
Roberto sozinho em pleno natal.
Cinco minutos para a meia noite.
- Eu te odeio, a mamãe devia ter
devolvido você para o lugar onde ela te adotou.
- Não sou adotada idiota, é a Mara.
- Eu sou adotada?
Mara começa a chorar.
- Olha ai o que você fez, meu
parabéns.
Três minutos para meia noite.
Os pais tentando explicar para os
filhos que estão chorando que o papai noel existe sim, que aqueles que
trabalham no shopping não são de verdade, é mais um marketing, divulgação de
marca, tipo um bunner vivo, mas que existe um verdadeiro.
Marta está tomando agua com açúcar.
Um minuto para meia noite.
- Eu te odeio.
- Não eu te odeio mais.
- Eu odeio vocês duas.
- Eu odeio vocês todos.
- Eu odeio o papa Noel.
Meia noite. Natal.
Em meio a discussão chega uma
mensagem. “feliz natal!”
- Ih, meia noite.
- Já?
- Sim!
- Feliz natal.
- Mas já é meia noite mesmo?
- Sim!
Olham para o relógio e confirmam.
- Meu Deus, Feliz Natal.
- Feliz Natal.
As irmãs que estavam brigando se
abraçam a e começam a chorar.
- Eu te amo, me desculpa.
- Não, eu que tenho que pedir
desculpas. Eu te amo, você é minha irmã querida.
- Eu te amo mais.
As crianças ainda seguem chorando por
conta do papai noel, mas os adultos não ligam, só querem saber de fazer as
pazes, afinal de contas é natal.