segunda-feira, 22 de abril de 2013

Vida inteligente


Ele chega de fininho em casa, pé atrás de pé, para não ser ouvido. Quando coloca, celular, carteira e chaves em cima da mesa de centro a mulher acende o abajur.
- Bonito.
- ai cacete, que susto.
- Onde o senhor estava até essa hora?
- Se eu contar você nunca iria acreditar.
- Tente.
Silencio.
- Então, eu fui abduzido.
A mulher abre um sorriso.
- Abduzido?
- Abduzido.
- Por quem?
- Por quem? Quem é que abduz?
- Ets?
- Ets! Sim.
- E você não ficou com medo?
- Fiquei, pedi para me soltarem, que você estava me esperando.
Silencio.
- Então você foi abduzido.
- É...
- E pelo jeito eles tinham cerveja lá na nave.
- Sim, que loucura né?!, e os cientistas procurando agua.
A mulher fica séria.
- E ai, o que aconteceu quando tu foi abduzido?
- Pelo jeito eles já estava me estudando a algum tempo.
- A é?
- Sim. Cheguei lá sabiam meu nome, quem eu era, qual era a minha porção favorita, tava me sentindo num bar com os amigos.
- Não.
- Sim, foi mais um bate-papo, eles queriam saber mais algumas coisas sobre nosso planeta, quem é o nosso rei, essas coisas.
- E você?
- Eu falei, rei a gente não tem, mas rainha eu tenho a minha.
Da uma piscadela para a mulher.
- Então tem sete milhões de pessoas na terra e eles escolheram justamente você?
- Que honra né?!
- E resolveram fazer isso bem sexta-feira a noite, entre as sete e as três da manhã.
- É que para eles era segunda.
- E isso no seu pescoço?
- O quê?
- Esse chupão.
Silencio.
- Ta a marca?
- Sim.
- Eles falaram que não ia ficar marca.
- Ah, eles que fizeram isso também.
- Sim, quando estavam me estudando.
- Pelo jeito isso que parece batom é uma espécie de marcador de texto.
- Exatamente, nossa até parece que você já foi abduzida também.
Os dois ficam em silencio.
- Antonio essa é a pior história que eu já ouvi na minha vida. Não acredito que você tem a capacidade de chegar a essa hora em casa e vir com uma história desta.
- Mas amor não é...
- Você não muda mesmo. Não muda nem nunca vai mudar. Eu sou uma trouxa, como posso ter te dado outra chance.
- Amor...
- Amor é uma ova, vai embora.
- Mas...
- Vai!
Ele sai. Ela bate a porta atrás dele. Ele segue pela calçada até a rua onde tem uma nave estacionada com dois Ets.
- Eu falei para vocês que esse negócio no pescoço ia dar problemas.
Ele entra na nave e ela arranca para o céu.

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Vida fora da terra
- Viu que encontram vida inteligente fora da terra.
- Onde?
- Não sei direito qual planeta. Mas encontraram.
- Mas como eles sabem que é inteligente? Viram o diploma?
- Não, que diploma, é porque tem agua no planeta.
- Água?
- É, um planeta com agua.
- E só por isso eles acham que o povo é inteligente, só porque tem agua.
- É, pelo menos é o que deu no jornal.
- Agora entendi porque quando deixo cortarem a agua lá em casa minha mulher me chama de burro!

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Os dois estão deitados na grama.
- Você acha que o universo sendo desse tamanho que é, só existe nós aqui?
- Acho que sim.
- Sério, não sei quantos bilhões de galáxias e só existe nós.
- Sim.
- Mais ninguém?
- Mais ninguém.
- Então que tal se a gente aproveitássemos que só estamos nós e...
- Pensando bem acho que pensar desse jeito é se achar muito.
Levanta bate a grama e sai.

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- Onde você esteve durante todos esses meses?
- Me abduziram.
- Mentira.
- Juro. Me pegaram, levaram para uma nave e devolveram.
- Droga, devíamos ter deixado escrito que não aceitamos devolução.

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- Vida inteligente fora da terra.
- O que é que tem?
- Acredita que existe?
- Não sei.
- pensa bem, olha o tamanho que é o universo.
- É.
Silencio.
- Defina inteligente.
- Como assim, defina inteligente.
- Defina inteligente. Inteligente tipo quem?
- Sei lá, tipo eu.
- Pfff...
- O quê?
- Você não é inteligente.
- Ah não?!
- Não. Se você fosse um extraterrestre, eu um astronauta, chegasse no seu planeta, conversasse com você. Voltaria para terra e diria, não existe vida inteligente. Existe vida, não inteligente.

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Em outro planeta, dois extraterrestres conversando.
- Cara.
- Oi?
- Será que existe vida inteligente fora daqui?
- Acho que não.
- Cara, o universo é tão grande, não é muito preciosismo achar que só estamos nós aqui.
- Não, é porque não existe mesmo.
- Como pode ter tanta certeza?
- Você acha que se existisse, já não teria tentado entrar em contato conosco?
- As vezes eles estão tentando mas não conseguem, ou até mesmo estão entre nós e não sabemos.
- Ah sim, estão disfarçados, assumiram um corpo e estão nos estudando.
- É...
- Para de falar besteira. Não tem mais ninguém. Somos só nós.
Silencio.
- É né?
- Sim.
- Quer um gole?
- O que é?
- Agua.

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- Atenção Houston, Houston. Cambio.
- Pois não.
- Temos uma noticia boa e uma ruim. Cambio.
- Uma noticia boa e uma ruim.
- Manda lá. A boa primeiro.
- Encontramos vida fora da terra. Cambio.
- Não acredito.
- Nem a gente. Cambio.
- Como foi?
- Logo que desembarcamos, em cima de um deles, ai apareceu os outros. Cambio.
- Qual planeta é?
- Não sei, não demos um nome ainda. Cambio.
- Pergunta para eles.
- Não, vamos chamar de Maicon, planeta Maicon, eu que encontrei. Cambio.
- Pera aí, mas e eu? Cambio. – questiona o segundo astronauta.
- Ok, planeta Maicon Cleber. Cambio.
- Porque não Cleber Maicon. Cambio.
- Porque eu que sugeri de dar nossos nomes. Cambio.
- Ok. Cambio.
O Houston da uma pigarreada do outro lado da linha.
- Desculpa. Cambio.
- E ai, qual é a noticia ruim.
- A noticia ruim é que eles são burros. Cambio.
- Oi?
- Eles são burros. Encontramos vida fora da terra, não vida inteligente. Sempre achamos que teria vida fora da terra, sempre imaginaram os alienígenas com um cabeção, inteligentes, com tecnologia de ponta. Cambio.
- Então não...
- Não, nadinha. Cambio.
- Mas tem agua no planeta?
- Tem.
- Então vai esse mesmo. É até melhor, para negociar.

terça-feira, 9 de abril de 2013

Apagão


Os dois estão na sala assistindo televisão, cai a luz. Ficam os dois no escuro.
- Celso, você pagou a conta?
- Sim.
- Tem certeza?
- Lógico que eu tenho certeza.
Silencio.
- Foi só uma queda, já vai voltar.
- Foi o que você disse quando seu cabelo começou a cair.
- Oi?
- Nada.
Silencio.
Passa uma hora.
- É, acho que não foi só uma queda.
- Você tem certeza que...
- Sim, eu paguei Danusa.
- Ok.
Silencio.
Mais uma hora.
- E ai, como foi o seu dia.
- Meu dia?
- É. Como foi.
- Foi normal, fui trabalhar, trabalhei e voltei para casa.
Silencio.
- E o seu?
- Normal também. Café da manhã, carro, trabalho. Trabalho, carro, casa.
Silencio.
- E a menina que estava gravida do seu chefe? Já ganhou?
- Faz dez anos.
- Dez anos? Não pode ser, você me contou esses dias.
- Não, contei há dez anos.
- Não pode ser.
- Sim.
- Caramba.
Silencio.
- E o menino lá da contabilidade melhorou.
- Morreu.
- Morreu?
- há oito anos.
- E você nem me falou?
- Falei.
- Não falou.
- Falei, tinha acabado a luz no dia ainda.
- Aé.
Os dois voltam a ficar em silencio. Se tocam que a muito tempo não conversavam. Alias, só conversavam quando acabava a luz. A ultima vez que conversaram mesmo tendo luz elétrica foi no tempo de namorado, desde então só conversavam quando acabava a luz, fora isso sempre tinha alguma coisa entre eles, computador, televisão, DVD, telefone. Tudo no meio para que não precisassem conversar, mas agora sem luz se viam obrigados a voltar.
- É.
- É.
Silencio.
- Acho que deveríamos fazer isso mais vezes.
- Ficar no escuro?
- Não...
- O que então?
- Isso... isso de...
A luz volta.
- Oba, a luz.
- É.
Silencio.
- Você ia dizer alguma coisa antes da luz voltar.
- Não, não era nada.
- Ta bom.
Agora só quem volta a falar é a televisão. Já imaginou se ficassem sem a eletricidade? O casamento iria para o buraco.

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A mãe está no quarto, o pai na sala, o filho mais novo está no quarto dele e o mais velho tomando banho. Apaga a luz na casa inteira.
- Eu falei que eu já tava saindo. – grita o mais velho, lá do banheiro.
- Antonio? – grita a mãe, lá do quarto.
- O quê? – grita o pai, lá da sala.
- Não acredito que você não pagou a conta de novo.
- Mãe! – grita o mais novo, lá do quarto dele.
- Eu paguei.
- Mãe, eu tava enxaguando o cabelo.
- Antonio?
- Rosane, eu paguei segunda-feira.
- Sim, igual da ultima vez.
- Ai meu olho, entrou shampoo.
- Mãe, eu to com medo.
- Acabou no vizinho também. – grita o pai.
- Ou ele também não pagou.
- Então a rua inteira não pagou.
- Alguém, por favor, liga a luz. Ai, ai, meu olho!
- Mãe, tem alguma coisa no meu quarto.
- Vem pra cá então. – grita a mãe.
- O que será que aconteceu? – questiona o pai.
- Traz a toalha para mim. Meus olhos!
- Eu to com medo mãe, ta escuro.
- Lógico, acabou a luz. Cade as velas?
- Mãe vem me buscar.
- A toalha, meu olho ta queimando.
- Será que foi só na nossa rua?
- Mãe eu to com medo.
- Mãe meu olho ta ardendo, traz a toalha.
- Cade as velhinhas do anjinho da guarda?
- Nem vou ligar para reclamar, já deve ter um monte de gente reclamando.
- Mãe tem alguém aqui.
- Antonio por favor quer ir lá ver seus filhos, eu to procurando as velas do anjinho.
- Deve ter caído um poste.
- Mãe ele ta chegando.
- Antonio!
- To indo.
- Meu Deus, meus olhos.
- Mããããe.
- Encontrei!
Volta a luz. O filho mais novo está no canto da cama encolhido, o mais velho está pelado e se aproximando do mais novo, sem ver o que está acontecendo, porque está com a cara cheia de shampoo, a mãe com as velinhas na mão e o pai deitado no sofá, na mesma posição que estava antes de acabar a luz. A televisão liga, o pai volta a assistir como se nada tivesse acontecido.