quarta-feira, 25 de julho de 2012

Comprar Coisas


O pai está sentando no sofá, com a televisão ligada, mas cochilando. O filho chega de fininho.

- Papai!
- To assistindo. – da um pulo no sofá.
- Ta sim.
Silencio.
- O que foi.
- Me arruma um dinheiro.
- Pra que te arrumar um dinheiro.
- Por que eu tenho que comprar umas coisas.
- Que coisas?
- Ah, umas coisas.
- Por que você não arruma um emprego.
- Porque eu só tenho 12 anos.
- Sabia que na sua idade eu já tava completando meu terceiro ano de firma?
- É que naquela época a escravidão era liberada.
- Oi?
- Nada. Me arruma?
- Quanto?
- Cinquenta?
- QUANTO! – gritando.
- Cin – quen – ta!
- Pra que tudo isso.
- Já te falei, comprar umas coisas.
- Mas que coisas caras são essas.
- Se sabe, coisas, coisas.
- E não tem lugar que vende essas coisas mais barato?
- Pai.
- Dou vinte.
- Quarenta.
- vinte e cinco.
- Quarenta.
- trinta.
- Quarenta.
- Espera aí, isso não é negociar.
- Claro que é, eu abaixei dez reais do valor.
- Dou trinta e cinco e nada mais.
Silencio.
- Ta bom. – pega o dinheiro.
- Se você tivesse mantido a pose tinha dado quarenta. Tem que aprender a negociar.
- E se você tivesse mantido a pose nos vinte eu tinha aceitado. – fala e sai.


Ele volta a cochilar, ainda com a televisão ligada. A filha mais velha entra na sala de mansinho.

- Pai.
- Eu to assistindo, to assistindo. – toma outro susto.
- Eu percebi.
Se recompõe do susto.
- Faz quanto tempo que eu não digo que te amo?
- Desde a ultima vez que você pediu dinheiro.
- Você sabe como eu te amo né?!
- Eu não tenho dinheiro.
- Ah pai.
- Não vem com essa de “ah, pai”.
- Para o Rodrigo você da né.
- Eu só dei pra por que ele disse que tinha que comprar umas coisas.
- Que coisas?
- Você sabe, coisas, coisas.
- Que coisas um moloque de 12 anos tem que comprar?
- Boa pergunta.
Silencio.
- E aí.
- E o que?
- Me dá.
- Pra que você quer?
- Pra ir no cinema.
- Mas você não foi no cinema semana passada?
- Sim, mas agora vou ir ver o outro filme.
- Espera chegar na locadora.
- Paaaai.
- Só tenho vinte reais.
- Preciso de no mínimo trinta.
- Tenho vinte.
- E a pipoca?
- Leva de casa.
- Quem leva a pipoca de casa?
- Quem só tem o dinheiro pro ingresso.
- Nossa pai, imagina que estranho, todos os meus amigos comendo pipoca e só eu não. Da trinta pai.
- Dou vinte e cinco é pegar ou largar.
- Ta, mas aí você me leva lá.
Silencio.
- Toma trinta de uma vez.
- Aí como eu te amo pai. – da um beijo no pai, pega o dinheiro e vai saindo.
- Você tem que arrumar um namorado urgente pra ir com você no cinema.


Volta a assistir. Aos poucos vai pegando no sono. A mulher chega de fininho.

- To saindo!
- Eu dou cinquenta, eu dou cinquenta. – acorda assustado.
- Da o que?
- Da o que o que?
- Você acordou gritando, eu dou cinquenta, eu dou cinquenta.
- Nada.
- Ta bom, to saindo.
- Tá.
- Cadê sua carteira.
- Pra que você quer minha carteira?
- Pra ver sua identidade, quero ver se você é você mesmo.
Silencio.
- Cadê?
- O que?
- Adal!
- Ta aqui.
Estende a carteira ela pega na velocidade de um ninja.
- Pra que você quer dinheiro?
- Vou ir no shopping com as crianças.
- Fazer o que?
- Levar a Lidia no cinema e o Rodrigo pra comprar umas coisas que ele disse que ta precisando.
- Pelo amor de Deus, que coisas são essas?
- Ah você sabe, coisas, coisas.
- Não, eu não sei.
- Então depois você pergunta pra ele.
- Mas porque ta pegando dinheiro, eu já dei pra eles.
- Quem disse que é pra eles?
- Quanto você vai pegar?
- Pouco.
- O que você vai comprar?
- Não sei.
Silencio.
- Ih deu de ficar me controlando agora.
- Não é agora. Faz tempo já, mas é que você nunca responde.
- Por isso mesmo. – fala e joga a carteira no colo dele.
- Como assim ‘por isso mesmo’, isso nem é uma resposta.
- Tchau Adal. – desliga a televisão. – volta a dormir.
- Eu não tava dormindo, eu estava assistindo.

terça-feira, 24 de julho de 2012

Crossdressing


Um homem está parado, saca o celular do bolso, disca alguns números e espera.
- Ei, vem, eu já to aqui na frente te esperando... Acelera cara.
Desliga o celular. Um segundo homem, vestido de mulher aparece.
- Vamos.
- Não é festa a fantasia.
- Eu sei.
- Então porque você está vestido assim.
- Assim como?
- De viado.
- Não é de viado é de mulher.
- Ah, sim, grande diferença. Ta bom, já fez sua piada, agora vai lá trocar de roupa, já estamos atrasados.
- Eu não vou trocar de roupa.
- Como assim não vai trocar de roupa?
- Eu vou assim.
- Assim?
- Assim.
- Para de besteira homem, vamos chegar lá não vai ter mais nada pra comer.
- Então vamos.
O homem vestido de mulher começa a andar, o outro fica parado.
- Você ta falando sério?
- Sim.
- O que está acontecendo?
- Eu resolvi assumir.
- Que é viado?
- Que viado? Eu lá tenho cara de viado? – pergunta e ajeita o vestido.
Silencio.
- Ta, agora sim. Mas não sou viado, resolvi assumir que sou crossdressing.
- O que?
- Homens que gostam de se vestir como mulher.
- Viado.
- Não cacete, não é viado é crossdressing.
- Esse é o nome cientifico.
- Não tem nada ver uma coisa com a outra.
- Então quer dizer que você não é viado?
- Não.
- Mas se veste de mulher.
- Sim.
- Gay.
- Não cara, nós nos vestimos de mulher.
- Nós não, você! – interrompe.
- Nós eu quero dizer a comunidade crossdressing.
- Ah tem mais disso?
- Tem vários homens. Nós fazemos isso pra demonstrar o nosso amor pelas mulheres.
- Ah sim, gastando a maquiagem e usando as roupas delas?
- Não da pra conversar sério com você.
- Ah e com você vestido de tia dá?
- Vamos logo.
Fala e vai andando na frente.
- Pode ir na frente.
- Nossa que preconceituoso que você é.
- Não sou preconceituoso, apenas não quero que pensem que nós somos um casal.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Vida inteligente


Um homem está caminhando tranquilamente na calçada, quando de trás de um arbusto sai um sujeito careca.
- Leve-me ao seu líder.
O homem toma um susto.
- Aí cacete!
- O que é isso?
- Eu é que pergunto o que é isso?
- Eu não sei, leve-me ao seu líder.
- Você está bêbado.
- Não, você está?
- Não.
- Então eu também não.
Silencio. O homem começa a caminhar lentamente, o sujeito careca acompanha.
- Leve-me ao seu líder.
- Que papo é esse de meu líder?
- O negócio é o seguinte.
Os dois param.
- Eu vim do espaço e preciso muito falar com o seu líder.
- Quer dizer que você veio do espaço?
- Sim.
- E não ta bêbado?
- Não.
Silencio.
- Ah, da licença.
Fala e volta a andar.
- Estamos indo até o seu líder.
- Tecnicamente sim.
- Tecnicamente?
- É, estamos indo pra minha casa.
- O líder está na sua casa.
- Sim, fazendo a janta.
- To falando sério.
- Eu também. Meu líder é uma mulher!
- Que pais é esse?
- Brasil.
- Ah o Brasil, clima tropical, vastas florestas, feijoada, samba e mulheres bonitas.
- Onde você pesquisou isso? No google?
- Oi?
- Nada, esquece.
- Como são as coisas aqui?
- Depende.
- Depende do que?
- Depende se você é rico, se é pobre, onde nasceu.
- E quem é o líder de vocês? Tirando sua mulher.
- Não temos um líder.
- Como assim não, você não tem um regime politico.
- Infelizmente sim.
- Então, não são eles os lideres?
- Era pra ser.
- Por que era?
- Por que eles não fazem nada. Não dão assistência para o povo, não se preocupam com ninguém somente com o bolso deles. Só querem saber de dinheiro.
- Dinheiro.
- Dinheiro, cascaio, Money, bufunfa.
- Não to entendendo.
- Não sabe o que é dinheiro?
- Não.
- Então é melhor não saber.
- E agora?
- E agora o que?
- O que eu faço, precisava falar com o líder de vocês.
- Do que se trata?
- Não posso falar. Somente para o seu líder.
- Então sinto muito, mas você não vai falar pra ninguém.
- Sabe algum lugar onde eu possa encontrar um líder, alguém que se preocupe e se responsabilize pelos seres humanos?
- Olha, pra falar a verdade, não. Ficamos tão preocupados em encontrar vida inteligente fora da terra, quando na verdade deveríamos ter cultivado ela aqui.
O sujeito careca fica de cabeça baixa.
- Agora deixa eu ir se não minha líder vai dar piti.


---------------------------------------------


Dois Et’s estão sobrevoando a atmosfera acima da terra.
- E aí?
- E aí o que?
- Vamos entrar?
- Será que eles estão prontos pra nos receber?
- Eu acho que não, mas já que você quis vir vamos entrar.
- Será.
- Como assim será, não acredito que você fez eu viajar três meses com você e não vai entrar.
- Poh, mas também não é bem assim.
- Claro que é bem assim.
- [silencio]
- Então vamos embora.
- Calma. Deixa eu pensar o que vamos fazer.
Silencio. Olha para o pulso impaciente.
- Vamos, daqui a pouco tem jogo da EuroGalactica.
- Espera... to pensando o que vamos falar.
- Vamos chegar dando oi, depois o resto se desenrola.
- Como assim chegar dando oi, não podemos chegar dando oi.
- Você quer chegar como? "Eu vim do espaço porque tava curioso pra saber como vocês eram"...
- É, tava pensando isso.
- Isso é muito formal. Tem que se enturmar.
- É né.
- Sim.
Ele estala os quatro braços e firma o volante.
- Então vamos entrar.
- Finalmente.
- Onde vamos descer?
- Tava pensando em ir num tal de Brasil, dizem que o povo lá é bem receptivo.
- Ah bom, pensei que ia falar pra descermos nos Estados Unidos.
- Não, lá eu não piso nem ferrando. Dizem que o ultimo que desceu lá, ta preso até hoje.


---------------------------------------------


Dois amigos caminham pela rua depois de serem expulso do unico bar que restava aberto, param para tirar agua do joelho, ficam olhando para o céu.


- Será que existe vida inteligente fora da terra?
- Acho que não, ta dificil de encontrar vida inteligente aqui na terra, quanto mais lá fora.
- Será?
- Eu não acredito.
Silencio.
- Porque?
- Porque o que?
- Por que você não acredita que existe vida inteligente fora da terra?
- Porque se tivesse, eles já tinham vindo falar com a gente.
- Mas e se eles já vieram.
- Eu não me lembro de ter falado com eles, se tivesse me lembraria... pelo menos acho que lembraria.
- Não to falando que eles já falaram com você. To falando já falaram com os outros.
- Que outros?
- Sei lá, esses caras que acreditam que existe vida inteligente fora da terra.
- Você acredita.
- Sim.
- E eles nunca falaram com você?
- Não.
- Então eles não existem.
- Lógico que existe.
- Então porque eles nunca apareceram publicamente?
- Não sei, mas isso prova que eles são inteligentes.

sábado, 7 de julho de 2012

São Pedro e o Curitibano


Um rapaz chega na entrada do céu, é abordado por um homem de aparentemente um quarenta anos.
- Oi, eu queria falar com o responsável.
- Ele mesmo. – responde o homem.
- São Pedro?
- Sim.
- Sério?
- É, por que?
- Sei lá, você não tem cara de São Pedro.
- Como assim não tenho cara de São Pedro? Que cara tem São Pedro?
- A mesma dos outros santos, velho, barba branca, bata.
- Ah, todos me imaginam assim, alias eu não sei por que?
- É, acho que passa mais credibilidade do que jeans e sapatenis.
- O que é que tem, jeans não tem erro, e sapatenis é uma das melhores invenções do ser humano... é um sapato misturado com um tênis.
- Ainda bem que o senhor não conheceu o crocs.
- Crocs?
- Esquece.
Silencio.
- Então, é o seguinte, o senhor é São Pedro mesmo.
- Isso.
- Então é com o senhor mesmo que eu quero falar, eu sou de Curitiba.
- Conheço Curitiba, varias coisas legais lá, museu do olho, jardim botânico, Oilman.
- É, essa mesmo.
- O que é que está acontecendo com Curitiba.
- O clima.
- O clima?
- O que o senhor tem contra os Curitibanos?
- Eu, nada, que isso, acabei de falar que sou um grande admirador do Oilman.
- Pois é, mas não é o que parece.
- Não to te entendendo.
- Vou te explicar, por que o senhor faz...
- Ãhm? – para e fica olhando para ele.
- ter as quatro estações num só dia lá?
- Eu não faço isso.
- Ah faz!
- Não faço!
- Faz!
- Não faço!
- Você quer saber mais do que eu que moro lá, e pego gripe semana sim, semana não.
Silencio.
- Sabe qual é a comida típica de Curitiba?
- Não, isso ninguém...
- Sopa e Resfenol.
- Você está exagerando.
- Ah estou exagerando?
- Sim.
- Ta bom... O senhor sabe o que é acordar, ver o sol, achar que está calor, sair sem camiseta e ter o mamilo congelado.
- Não. – São Pedro ri.
- Não ri não, quem o senhor pensa que é? O Serginho Malandro?!
São Pedro para.
- Você acha que é fácil, sair cedo com cinco blusas, levar um guarda-chuva e a tarde voltar carregando tudo por que fez calor. E no outro dia não levar nada pra não precisar ficar carregando e por um acaso naquele dia fazer frio?
- Não...
- Parece que o senhor perdeu alguma coisa lá e está brincando de ta quente, ta frio, ta quente, ta frio.
Silencio.
- Mas em todos os lugares é assim.
- Não é não, não é por que eu já viajei pra conferir. Tem lugares que é só calor, muito calor, mas só calor. Outros que faz frio, outros o clima normal, e tirando esses tem Curitiba.
Silencio.
- Os incomodados que se mudem.
- Oi?
- Isso mesmo que você ouviu! Se você não gosta do clima de Curitiba por que não se muda.
- Ah tá!
Roda a baiana.
- Você acha que eu vou deixar o lugar onde eu nasci e cresci. Uma cidade limpa, segura, onde as pessoas são educadas, não falam com você, mas são educadas, só por que você quer? Não. A culpa não é minha, é sua.
- Minha culpa não.
- Sim.
- Não é.
- É.
- Não é.
- Quem é o responsável pelo clima?
- Eu!
- Então, pronto. É culpa sua.
Silencio.
- Quando foi a ultima vez que você teve em Curitiba?
- Ah, não faz muito tempo.
Silencio, fica encarando São Pedro.
- Ei eu não cuido só de Curitiba e do Brasil, cuido do mundo todo. Você viu o que aconteceu no Japão? Sabe o pepino que foi aquilo? Então não venha me cobrar assim não.
- Venho sim, ou você quer que eu vá falar direto com o seu patrão? – olha pra cima.
- Não, não precisa disso. Acho que a gente pode resolver isso só nós, sem colocar o chefe no meio.
Silencio.
- E aí, o que você quer afinal de contas?
- Quero que o senhor de um pouco mais atenção pra Curitiba.
- Eu já fui mais presente, mas, poh, o Curitibano também não ajuda.
- É, eu sei, somos difíceis, mas aos poucos você se acostuma.
- Ta bom.
Saca o celular do bolso.
- O que você está fazendo?
- Ligando para o meu estagiário. Vou falar pra ele que vou supervisionar pessoalmente Curitiba agora.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Exercicio de confiança


- O que está acontecendo com vocês?
- É pra isso que nós viemos aqui. Pra saber o que está acontecendo com a gente.
- Temos tanto em comum.
- Até por que os dois são um casal de homem.
- Algum problema?
- É, algum problema?
- Não, nenhum problema, alias não era pra ter nenhum problema.
- Pois é, nós dois gostamos de futebol.
- Torcemos pelo mesmo time.
- Não brigamos pra decidir quem vai jogar com o player 1 ou com o player 2.
- Tinhamos tudo pra ser um casal perfeito.
- Mas não somos.
- E é isso que viemos aqui pra descobrir. Por que?
Silencio.
- Vocês homens certo.
- É...
- Pode se dizer que sim. De certa forma sim.
- Então esse é o problema.
- Qual?
- Os dois são homens. E nós homens sabemos, que os homens não são confiáveis.
- Aham.
- Não entendi!
- É assim. Num casal convencional, homem e mulher, temos a mulher pra balancear, então o homem não é confiável, mas a mulher é, e isso equilibra. Agora quando temos dois homens, são duas polaridades iguais.
- Ta... E...
- E vocês não confiam um no outro.
- Claro que confiamos.
- Confiam mesmo?
- Sim.
- Sim.
- Então vamos fazer alguns exercícios de confiança.
- Vamos.
- Eu confio plenamente nele.
- Vamos fazer um exercício simples. Os dois fiquem de pé.
Os dois ficam em pé.
- Agora você fica de costas pra ele.
- Aí doutor.
- Ei, olha o respeito.
- Desculpa.
- Agora é o seguinte. Você que está de costas, confia no Maicon?
- Sim.
- E você Maicon, confia que o Marlon confia em você?
- Plenamente!
- Então Marlon se deixe cair.
Marlon cai pra trás, Maicon ao invés de segurar deixa ele cair de costas no chão.
- Uí.
- Aí cacete!
Marlon fica caído no chão com a mão nas costas.
- Por que você não me segurou?
- Por que eu não pensei que você ia se jogar.
- Mas o doutor falou.
- Ele falou, mas achei que era só pra testar.
- E era, e nós não passamos no teste.
- Vamos fazer de novo, agora eu vou te segurar.
- Agora eu não quero mais. Não consigo mais confiar em você.
- Aí, foi só um deslize. Não vai acontecer de novo.
- Como eu sei que não vai acontecer de novo?
- Não vai, juro.
- Eu não acredito.
Levanta-se, pega o terno que está pendurado e sai. Maicon pega o outro terno e vai atrás dele gritando pelo corredor.
- Espera aí. Se fosse minha ex-mulher ela perdoava. Espera aí, desculpa. Eu te compro chocolates, flores, uma camisa nova do seu time!

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Ultimo Pedido


O padre termina de dar a extrema unção. Então balança a cabeça para o guarda sinalizando que ele pode puxar a alavanca. O padre se afasta, o policial se aproxima, coloca a mão na alavanca.
- Pera aí, pera aí, pera aí.
- O que foi? – pergunta o guarda sem tirar a mão da alavanca.
- Eu não tenho direito a um ultimo pedido?
- Não.
- Como assim não? todos tem?
- Todos quem?
- Todos os outros que já morreram assim.
- Que todos os outros, você é o primeiro.
- Primeiro aqui no Brasil.
- Sim.
- Então lá fora já acontece a muito tempo e sempre tem direito a um ultimo pedido.
- Onde você viu isso?
- Vi nos filmes.
- Mas isso aqui não é um filme.
- Sim, eu sei. Até porque se fosse eu já teria desligado.
O policial balança a cabeça e faz que vai puxar a alavanca.
- Opa, opa, opa.
- O que foi?
- Eu não falei ainda qual é o meu ultimo pedido.
- Mas você não tem.
- Poh, o que é que custa. Não acha que todos nós temos direito a um ultimo pedido padre.
- Oi?
- Não acha que ele. – olha pra cima. – ia querer que eu tivesse um ultimo pedido?
- Bem...
- Viu!
Silencio.
- Ta bom, qual é o seu ultimo pedido?
- Deixa eu ver...
Silencio.
- Olha, essa pergunta é difícil hein! – enrola.
Silencio.
- E aí?
- Pera aí... Pera aí...
Silencio.
- Vamos meu turno já esta acabando.
- Calma, é meu ultimo pedido. Não posso desperdiçar.
Silencio. O policial já não está mais com a mão na alavanca.
- Se fosse você o que pediria?
- Oi?
- Se você estivesse aqui no meu lugar.
- Por que eu estaria? – interrompe.
- Não sei, só to exemplificando.
- Tá.
- Se você estivesse prestes a morrer numa cadeira elétrica, e tivesse um ultimo pedido o que iria querer?
Silencio. O guarda fica pensativo.
- Porra, essa é difícil hein?!
- Viu.
- Olha não sei. Isso é uma coisa que tem que pensar com mais calma.
- Concordo com você, me desamarra e deixa eu voltar pra minha cela, quando souber o que quero aviso.
- Rá-Rá... engraçadão. Chega dessa palhaçada, vamos acabar logo com isso.
Ameaça puxar a alavanca.
- Não, não, espera aí, espera aí.
- O que foi?
- Já sei o que eu quero?
- O que?
- Quero pedir desculpa por tudo pra minha mãe.
Todos presentes ficam comovidos. Inclusive o carrasco.
- Ok, e onde está sua mãe?
- Não sei, nunca vi ela.
- Então como quer pedir desculpas?
- Exatamente, quando encontrarem ela, eu peço desculpas e aí posso morrer com a consciência limpa.
Todos ficam em silencio.
- Agora desamarra essa cinta que está me apertando.

----------------------------------------------

- Você acredita em vida após a morte?
- Vida após a morte?
- É. Acredita que tem alguma coisa depois da morte.
- Olha, acho que não.
- Acha que morreu acabou. Tchau, tchau. Ponto final.
- Sim.
- Não acha que vamos para o céu ou inferno?
- Não.
- Caramba.
- O que?
- Não acredita que vai para o céu ou para o inferno?
- Não. Morreu, morreu.
Silencio.
- Acho que não da mais pra continuarmos juntos.
- Por que?
- Por que não posso ficar com alguém que não acredita em céu, inferno ou reencarnação.
- Por que, qual é o problema?
- Todos.
- Como assim todos?
- Não posso confiar em alguém que não acredita que pode ir para o inferno, ou pagar pelos pecados cometidos aqui, numa próxima vida.
- Ainda não to conseguindo entender o por que?
- Por que você pode me trair e não vai estar nem aí. Afinal de contas vai morrer e nada vai acontecer.
- Aaaah. – da risadas. – nada a ver. E se você me pegar. Aí eu vou pagar.
- Mas é exatamente se eu te pegar que eu to falando. Daí eu te mato, e nada acontece com você. Só morre e pronto.

----------------------------------------------

- Se existir reencarnação o que você quer ser na próxima?
- O que eu quero ser?
- É, se puder voltar de novo o que você quer ser?
- Eu mesmo.
- Você mesmo?
- Sim.
- Não tem como voltar você mesmo.
- Ué, por que não?
- Por que você já vai ter morrido.
- Mas o que é que tem. Eu revivo.
- Não, você não pode reviver. Tem que reencarnar em outro corpo.
- Outro que não sou eu?
- Isso.
- Então eu queria ser você.
- Eu?
- Porque?
- Pra se amigo de mim mesmo.
- Você não pode ser uma pessoa que já está aqui, por que já tem alguém que reencarnou nesse corpo.
- Quer dizer que eu não sou eu?
- Não, quer dizer, é.
- Ufa!
- Mas então, se outra alma quiser reencarnar em você não pode por que você já está nesse corpo.
- É tipo casa de aluguel.
- Isso. Ninguém vai alugar sua casa, por que você já mora nela.
- Ah, entendi.
- Então?
- Então o que?
- Como você quer voltar?
- Eu não quero voltar não.
- Como assim não quer?
- Não quero, quero descansar. Já tive trabalho demais nessa vida. Vou tirar as outras pra descansar.