O churrasco
já estava rolando quando ele chegou, carregando uma caixinha de cerveja, que é
uma espécie de convite, passe, para entrar nos churrascos de hoje em dia. Já de
cara, antes mesmo de encontrar o dono do churrasco, já avistou ela no cantinho,
com um copo plástico na mão, olhando para o chato do violão, aquele tem em todo
churrasco, não importa se de rico ou de pobre, ele sempre está lá com as suas
musicas de quatro notas, ele carrega o violão no porta-malas do carro, para o caso
de ir em algum churrasco. Ela não conversava com ninguém, apenas observava o
musico. Ele correu até a cozinha e entregou o convite (a caixinha de cerveja)
para a namorada do dono da festa, cumprimentou as pessoas que estavam na
cozinha, preparando vinagrete, maionese, salada de tomate, foi até a
churrasqueira cumprimentar reverenciar o churrasqueiro com o seu paninho no
ombro, voltou pela cozinha, pegou uma das latinhas que ele mesmo trouxe e
voltou para a sala. Ela continuava na mesma posição. Ela o viu só agora. Ele balança
a cabeça dando um desses cumprimentos mundiais, que funciona em qualquer país,
ela devolveu. Ele viu os conhecidos que estavam na sala e foi cumprimentando de
uma forma que a cada um que ele falasse avançasse uma casa até a moça do
cantinho. Como num vídeo game. Foi indo de oi em oi, “tudo bem e você”, “quanto
tempo”, “vamos marcar alguma”, até chegar ao lado dela. Mais uma balançada de
cabeça.
-
Tudo bem, Paulo. – estendeu a mão.
-
Tudo e você, Mari. – estendeu também.
Silencio.
Só o musico entoando legião urbana, o deus dos caras com violão nos churrascos
do mundo.
- Quer
uma cerveja?
-
Obrigado, mas estou dirigindo.
“uuuh”
a torcida grita.
Silencio.
Mais uma do legião.
-
Sou amigo intimo do churrasqueiro, pedi pra ele reservar o melhor pedaço de
picanha para nós. Sabe como é né, influencias. – arriscou uma piada e sorriu.
- Eu
também sou amiga dele.
- Opa,
então vamos nos dar bem, não vai sobrar carne boa para mais ninguém.
-
Mas eu sou vegetariana.
“uuuh”.
Mais uma dessa e ele está fora.
Silencio.
O musico começa outra musica, dessa vez não é do Legião. É do Rei.
-
Essa musica vai para minha gata.
Fala
e da uma piscada para a moça, do cantinho, com o copo plástico na mão. Ela só
podia ser alguma coisa dele mesmo para aguentar um pout-pourri do Legião.
Ele só
olha para ela e sai. Pensando que deve urgentemente aprender a tocar violão.
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Um
garoto está perto da churrasqueira, um senhor mais velho se aproxima.
-
Cade o churrasqueiro?
-
Sou eu.
-
Oi?
- Eu
que vou assar, só estou esperando o álcool pra acender o fogo.
-
você?
-
Sim.
-
Mas você tem quantos anos?
-
21.
- E
vai assar a carne.
O
garoto faz que sim com a cabeça.
-
Amor.
-
Oi?
-
Vamos embora.
-
Mas por que, acabamos de chegar.
- O
churrasqueiro tem 21 anos.
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Se a
santa ceia fosse um churrasco: Jesus teria dividido o pão de alho e a maionese,
teria transformado agua em cerveja, os doze apóstolos tocariam pagode, teria
sido citado mais gente, já que churrasco você chama doze vem 30. E teria ao
menos um cachorro na história.
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No churrasco
todo mundo tem uma técnica para acender o fogo da churrasqueira, pena que nenhuma
leva menos do que meia hora. Segundo especialistas existem mais de 500 tecnicas
para acender o fogo contabilizadas até agora, só no Brasil.
Tudo
estava pronto para iniciar o churrasco, a cerveja já estava gelada, a vinagrete
temperada, a maionese (de ovo cru, a mais tradicional, aquela com salmonela) já
estava na geladeira. Agora só faltava acender o fogo da churrasqueira.
-
Deixa que eu acendo.
- Não,
não, não.
- O
quê?
-
somos seus convidados, é seu primeiro churrasco, não precisa passar por isso.
-
Isso o quê?
-
passar a vergonha de não conseguir acender o fogo da churrasqueira.
-
Mas...
-
Não tem mas.
- Deixa
que a gente faz isso, não quero ver você desesperado, abanando com uma tampa na
mão.
-
Deus o livre.
- Que
isso pessoal, eu sou o dono do churrasco.
-
Shi! – coloca o dedo na boca do anfitrião – deixa que eu acendo. Clara, pega um
pão amanhecido e óleo por favor.
-
Pão e óleo?
-
Não conhecem essa técnica?
-
Não.
-
Ufa, sorte de você que eu estou aqui.
Vai com
o pão e óleo na churrasqueira. Tasca fogo e nada. Mais uma vez e nada.
-
Clara tem certeza que isso é pão amanhecido? Só da certo com pão amanhecido. Pão
novo não rola.
-
Pedro, sai dai, deixa que eu boto fogo. Vou usar a técnica dos sete palitos.
-
Sete palitos? – perguntam os três amigos em uníssono.
-
Isso mesmo, é uma técnica de familia, faz o fogo pegar uniforme, transforma a
carne. Deixa acem com gosto de mignon, tudo graças aos sete fósforos.
-
Caramba.
-
Clara pega a caixa de fosforo.
- O
fogão é elétrico. Tem isqueiro, serve? – grita a clara lá da cozinha.
-
Não, tem que ser fosforo.
-
não tem. – responde clara.
-
Nem pra acender as velinhas.
-
Eles são ateus.
Silencio.
-
Não tem problema Marlon, deixa que eu acendo. – vem o anfitrião amparar o
amigo.
-
Não, não. ainda falta eu tentar. Deixei os amadores se manifestar mostrar como
eu sou humilde, sou tão bom que chego a ser humilde.
Os três
amigos balançam a cabeça.
-
Esse fogo já era pra ter sido aceso a sete dias atrás, se era pra ser um
churrasco descente. Agora vou ter que tirar o atraso, só vou fazer isso porque
é o seu primeiro churrasco, casa nova, ta todo mundo feliz, então não quero
isso acabe por culpa de vocês. Agora o negocio é o seguinte, vou precisar de maçarico,
tronco de imbuia seco, cortado em retângulos equiláteros.
-
Oi?
-
Preciso disso para acender o fogo e arrumar a sua cagada.
-
Não tenho nada disso.
-
Desculpa, então não vou poder ajudar.
Nesse
momento, vem da cozinha, a mulher do dono do churrasco.
- Já
tem alguma coisa ai pras meninas beliscar lá dentro?
Olha
para a churrasqueira está vazia e apagada.
- O
que aconteceu?
-
Nós falhamos, não conseguimos acender o fogo.
- Se
você esperar até amanhã cedo o pão amanhecer eu resolvo isso.
Ela vai
até a churrasqueira e liga. É uma churrasqueira elétrica. Nem fala nada e sai
balançando a cabeça.
-
Era por isso que eu insisti para deixarem que eu acendesse.