terça-feira, 9 de abril de 2013

Apagão


Os dois estão na sala assistindo televisão, cai a luz. Ficam os dois no escuro.
- Celso, você pagou a conta?
- Sim.
- Tem certeza?
- Lógico que eu tenho certeza.
Silencio.
- Foi só uma queda, já vai voltar.
- Foi o que você disse quando seu cabelo começou a cair.
- Oi?
- Nada.
Silencio.
Passa uma hora.
- É, acho que não foi só uma queda.
- Você tem certeza que...
- Sim, eu paguei Danusa.
- Ok.
Silencio.
Mais uma hora.
- E ai, como foi o seu dia.
- Meu dia?
- É. Como foi.
- Foi normal, fui trabalhar, trabalhei e voltei para casa.
Silencio.
- E o seu?
- Normal também. Café da manhã, carro, trabalho. Trabalho, carro, casa.
Silencio.
- E a menina que estava gravida do seu chefe? Já ganhou?
- Faz dez anos.
- Dez anos? Não pode ser, você me contou esses dias.
- Não, contei há dez anos.
- Não pode ser.
- Sim.
- Caramba.
Silencio.
- E o menino lá da contabilidade melhorou.
- Morreu.
- Morreu?
- há oito anos.
- E você nem me falou?
- Falei.
- Não falou.
- Falei, tinha acabado a luz no dia ainda.
- Aé.
Os dois voltam a ficar em silencio. Se tocam que a muito tempo não conversavam. Alias, só conversavam quando acabava a luz. A ultima vez que conversaram mesmo tendo luz elétrica foi no tempo de namorado, desde então só conversavam quando acabava a luz, fora isso sempre tinha alguma coisa entre eles, computador, televisão, DVD, telefone. Tudo no meio para que não precisassem conversar, mas agora sem luz se viam obrigados a voltar.
- É.
- É.
Silencio.
- Acho que deveríamos fazer isso mais vezes.
- Ficar no escuro?
- Não...
- O que então?
- Isso... isso de...
A luz volta.
- Oba, a luz.
- É.
Silencio.
- Você ia dizer alguma coisa antes da luz voltar.
- Não, não era nada.
- Ta bom.
Agora só quem volta a falar é a televisão. Já imaginou se ficassem sem a eletricidade? O casamento iria para o buraco.

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A mãe está no quarto, o pai na sala, o filho mais novo está no quarto dele e o mais velho tomando banho. Apaga a luz na casa inteira.
- Eu falei que eu já tava saindo. – grita o mais velho, lá do banheiro.
- Antonio? – grita a mãe, lá do quarto.
- O quê? – grita o pai, lá da sala.
- Não acredito que você não pagou a conta de novo.
- Mãe! – grita o mais novo, lá do quarto dele.
- Eu paguei.
- Mãe, eu tava enxaguando o cabelo.
- Antonio?
- Rosane, eu paguei segunda-feira.
- Sim, igual da ultima vez.
- Ai meu olho, entrou shampoo.
- Mãe, eu to com medo.
- Acabou no vizinho também. – grita o pai.
- Ou ele também não pagou.
- Então a rua inteira não pagou.
- Alguém, por favor, liga a luz. Ai, ai, meu olho!
- Mãe, tem alguma coisa no meu quarto.
- Vem pra cá então. – grita a mãe.
- O que será que aconteceu? – questiona o pai.
- Traz a toalha para mim. Meus olhos!
- Eu to com medo mãe, ta escuro.
- Lógico, acabou a luz. Cade as velas?
- Mãe vem me buscar.
- A toalha, meu olho ta queimando.
- Será que foi só na nossa rua?
- Mãe eu to com medo.
- Mãe meu olho ta ardendo, traz a toalha.
- Cade as velhinhas do anjinho da guarda?
- Nem vou ligar para reclamar, já deve ter um monte de gente reclamando.
- Mãe tem alguém aqui.
- Antonio por favor quer ir lá ver seus filhos, eu to procurando as velas do anjinho.
- Deve ter caído um poste.
- Mãe ele ta chegando.
- Antonio!
- To indo.
- Meu Deus, meus olhos.
- Mããããe.
- Encontrei!
Volta a luz. O filho mais novo está no canto da cama encolhido, o mais velho está pelado e se aproximando do mais novo, sem ver o que está acontecendo, porque está com a cara cheia de shampoo, a mãe com as velinhas na mão e o pai deitado no sofá, na mesma posição que estava antes de acabar a luz. A televisão liga, o pai volta a assistir como se nada tivesse acontecido.

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