sábado, 16 de novembro de 2013

TRANSITO

No transito. Véspera de feriado. Oito horas sem sair do lugar, numa viagem que demoraria no máximo duas. Ninguém mais está dentro do carro. Todo mundo fora esticando as pernas. O carro vermelho da moça loura está bem ao lado do carro preto do moço moreno.
- Será que foi acidente? – ele pergunta, tentando puxar papo.
- Não, eu estacionei na rua, quando eu voltei já estava amassado.
Ele olha para ela sem entender.
- A você não estava falando do amassado na traseira do meu carro?
- Não.
Ela sorri sem graça.
- Tava falando do porquê do transito.
- É, agora eu entendi.
Silencio. Os dois voltam a observar o “movimento”.
- Não é não.
- Oi?
- Acidente.
- Ah...
- É normal já. Cada feriado piora.
- Sim.
- Eles mostram todos os anos na televisão, nós passamos por isso sempre e mesmo assim não aprendemos.
- Verdade. Todo mundo acha que vai ser mais esperto saindo mais cedo, o problema é que todo mundo se acha esperto.
- É.
Silencio.
- Você se arrepende.
- Do quê?
- De ter vindo.
- Ainda não.
- Ainda não?
- Se durar mais duas horas o transito vai dar tempo de eu me arrepender.
Ele ri.
- E você?
- Não, se não fosse o transito eu não teria te conhecido.
A frase dele é entre coberta pelas buzinas.
- O que você disse?
- Nada.
Silencio.
- Dificil ver alguém da sua idade indo sozinha para a praia.
- Ah, não. Nada. Só estou indo sozinha. Minhas companhias já estão lá.
- Ah...
- Namorado?
- Não, vou tou indo para casa de uns amigos. Alias, tem duas amigas lá, o resto nem conheço. Sabe como é casa de praia.
- Sei, eu também estou indo na mesma situação, só conheço uma pessoa na casa que estou indo. Tava sem opção.
Silencio.
- Agora você conhece mais alguém.
- Conheço?
- É, eu.
- Pois é. Mas eu não te conheço direito. Como é seu nome.
Quando ela vai falar as buzinas recomeçam, ela por estar distraída nem percebeu que o transito andou. Ela entra assustada e sai sem dizer o nome ou qualquer outra informação. Transito tem dessas coisas, a maioria começa e termina do nada e sem explicação.

Depois de dez horas de viagem, e ter a honra de fazer parte do maior transito da história, ela chega na casa da praia.
Doze horas depois ele chega, procura uma vaga em meio a tantos carros estacionados – isso explica o fato de ter tanto transito cada um vai com o seu próprio carro. Ele acha uma vaga ao lado de um carro vermelho mal estacionado. Encaminha-se para dentro da casa, quando está entrando da de cara com a moça loira, dona do carro vermelho mal estacionado, a mesma do carro vermelho do transito.
Casa de praia tem dessas coisas, cada um vai com o seu carro, mas acaba todo mundo ficando na mesma casa.

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Segunda-feira:
- e ai como foi de viagem?
- Foi boa.
- Deu pra descansar.
- Não muito não.
- A curtiu um monte então, praia dia e noite.
- Então, não cheguei a ir para praia.
- Ué, mas ia.
- Não, acabei de ficando no transito.
- Oi?
- Cê sabe né, feriado curto, bate e volta, só deu tempo de curtir o transito. Fiquei dois dias no transito, quando eu cheguei lá achei melhor já voltar para dar tempo. Foi bom.

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- Que horas vamos sair?
- de madrugada, pra não pegar transito.
- Não funciona mais. Todo mundo sai de madrugada. Todo mundo tem a mesma idéia.
- Será.
- Roberto?!
- Ok, então vamos sair cedinho.
- Todo mundo vai sair cedo também.
- Mas nós vamos sair bem cedo.
- Todos saem bem cedo.
- Bem cedo.
- Roberto?!
- Então vamos amanhã depois do almoço, ai todo mundo já vai estar na praia e nós não pegamos transito.
- Quem não vai de madruga, não vai cedo, vai esse horario Roberto, logo vai ter transito.
- Vamos amanhã a noite.
- Ai nós perdemos o feriado.
- Vamos agora.
- Eu não terminei de arrumar as minhas coisas.

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No transito.
- (ao telefone) alou.
- Oi Luis, traz pão.
- Amor eu estou preso no transito.
- Então a hora que sair do transito, passa na padaria e traz.
- Mas ai eu vou pegar um novo transito.
- Não tem problema, é para comer amanhã cedo.

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Ao telefone.
- Amor, to quase chegando.
- Está onde?
- To no transito.
- Também?
- Como assim também?
- Eu também estou.
- Ufa, pensei que já estava ai me esperando. Estava me culpando por não ter saído antes.
- Mas culpe-se, eu poderia já estar esperando.
- Ta, mas não está.
- Não estou porque eu estou no transito, se não fosse o transito eu já tinha chegado.
- Mas se não fosse o transito eu também já teria chegado.
- Não é desculpa.
- Mas você também está usando como desculpa.
- O meu não é desculpa, o meu é verdade.
- O meu também.
Silencio.
- Onde você está?
- Estou quase chegando.
- Espero que esteja mesmo, não quero ficar esperando.
- Mas você nem está ai... quer dizer lá.
- Mas e se eu estivesse.
- Mas não está!
Silencio.
- Chegou?
- Quase.
- Agiliza.
- Você já chegou?
- Não, estou longe.
- Então.

- Andou aqui vou desligar, não se atrase.

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