No transito. Véspera de feriado. Oito
horas sem sair do lugar, numa viagem que demoraria no máximo duas. Ninguém mais
está dentro do carro. Todo mundo fora esticando as pernas. O carro vermelho da
moça loura está bem ao lado do carro preto do moço moreno.
- Será que foi acidente? – ele
pergunta, tentando puxar papo.
- Não, eu estacionei na rua, quando eu
voltei já estava amassado.
Ele olha para ela sem entender.
- A você não estava falando do
amassado na traseira do meu carro?
- Não.
Ela sorri sem graça.
- Tava falando do porquê do transito.
- É, agora eu entendi.
Silencio. Os dois voltam a observar o
“movimento”.
- Não é não.
- Oi?
- Acidente.
- Ah...
- É normal já. Cada feriado piora.
- Sim.
- Eles mostram todos os anos na
televisão, nós passamos por isso sempre e mesmo assim não aprendemos.
- Verdade. Todo mundo acha que vai ser
mais esperto saindo mais cedo, o problema é que todo mundo se acha esperto.
- É.
Silencio.
- Você se arrepende.
- Do quê?
- De ter vindo.
- Ainda não.
- Ainda não?
- Se durar mais duas horas o transito
vai dar tempo de eu me arrepender.
Ele ri.
- E você?
- Não, se não fosse o transito eu não
teria te conhecido.
A frase dele é entre coberta pelas
buzinas.
- O que você disse?
- Nada.
Silencio.
- Dificil ver alguém da sua idade indo
sozinha para a praia.
- Ah, não. Nada. Só estou indo
sozinha. Minhas companhias já estão lá.
- Ah...
- Namorado?
- Não, vou tou indo para casa de uns
amigos. Alias, tem duas amigas lá, o resto nem conheço. Sabe como é casa de
praia.
- Sei, eu também estou indo na mesma
situação, só conheço uma pessoa na casa que estou indo. Tava sem opção.
Silencio.
- Agora você conhece mais alguém.
- Conheço?
- É, eu.
- Pois é. Mas eu não te conheço
direito. Como é seu nome.
Quando ela vai falar as buzinas
recomeçam, ela por estar distraída nem percebeu que o transito andou. Ela entra
assustada e sai sem dizer o nome ou qualquer outra informação. Transito tem
dessas coisas, a maioria começa e termina do nada e sem explicação.
Depois de dez horas de viagem, e ter a
honra de fazer parte do maior transito da história, ela chega na casa da praia.
Doze horas depois ele chega, procura
uma vaga em meio a tantos carros estacionados – isso explica o fato de ter
tanto transito cada um vai com o seu próprio carro. Ele acha uma vaga ao lado de
um carro vermelho mal estacionado. Encaminha-se para dentro da casa, quando
está entrando da de cara com a moça loira, dona do carro vermelho mal
estacionado, a mesma do carro vermelho do transito.
Casa de praia tem dessas coisas, cada
um vai com o seu carro, mas acaba todo mundo ficando na mesma casa.
------------------------------------------
Segunda-feira:
- e ai como foi de viagem?
- Foi boa.
- Deu pra descansar.
- Não muito não.
- A curtiu um monte então, praia dia e
noite.
- Então, não cheguei a ir para praia.
- Ué, mas ia.
- Não, acabei de ficando no transito.
- Oi?
- Cê sabe né, feriado curto, bate e
volta, só deu tempo de curtir o transito. Fiquei dois dias no transito, quando
eu cheguei lá achei melhor já voltar para dar tempo. Foi bom.
----------------------------------------
- Que horas vamos sair?
- de madrugada, pra não pegar
transito.
- Não funciona mais. Todo mundo sai de
madrugada. Todo mundo tem a mesma idéia.
- Será.
- Roberto?!
- Ok, então vamos sair cedinho.
- Todo mundo vai sair cedo também.
- Mas nós vamos sair bem cedo.
- Todos saem bem cedo.
- Bem cedo.
- Roberto?!
- Então vamos amanhã depois do almoço,
ai todo mundo já vai estar na praia e nós não pegamos transito.
- Quem não vai de madruga, não vai
cedo, vai esse horario Roberto, logo vai ter transito.
- Vamos amanhã a noite.
- Ai nós perdemos o feriado.
- Vamos agora.
- Eu não terminei de arrumar as minhas
coisas.
------------------------------------------
No transito.
- (ao telefone) alou.
- Oi Luis, traz pão.
- Amor eu estou preso no transito.
- Então a hora que sair do transito,
passa na padaria e traz.
- Mas ai eu vou pegar um novo
transito.
- Não tem problema, é para comer
amanhã cedo.
--------------------------------------
Ao telefone.
- Amor, to quase chegando.
- Está onde?
- To no transito.
- Também?
- Como assim também?
- Eu também estou.
- Ufa, pensei que já estava ai me
esperando. Estava me culpando por não ter saído antes.
- Mas culpe-se, eu poderia já estar
esperando.
- Ta, mas não está.
- Não estou porque eu estou no
transito, se não fosse o transito eu já tinha chegado.
- Mas se não fosse o transito eu
também já teria chegado.
- Não é desculpa.
- Mas você também está usando como
desculpa.
- O meu não é desculpa, o meu é
verdade.
- O meu também.
Silencio.
- Onde você está?
- Estou quase chegando.
- Espero que esteja mesmo, não quero
ficar esperando.
- Mas você nem está ai... quer dizer
lá.
- Mas e se eu estivesse.
- Mas não está!
Silencio.
- Chegou?
- Quase.
- Agiliza.
- Você já chegou?
- Não, estou longe.
- Então.
- Andou aqui vou desligar, não se
atrase.
Nenhum comentário:
Postar um comentário