quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Como termina

Ela olha no fundo dos olhos dele, não diz nada, parece já ter dito tudo.
- Então é isso. Você quer mesmo terminar?
Silencio.
- Não.
- Não?
- Não, você que quer.
- Eu?
- É.
- Eu não. Foi você que disse que não dava mais.
- Sim, eu disse. E não da mesmo. Do jeito que ta não dá.
- Então, é você quem quer terminar. Não eu.
- Não, eu não quero. Mas eu também quero que você não queira.
- Oi?
- Você não faz nada para mudar e não fez nada para me impedir, então quer dizer que você quer.
- Não, eu não quero, não joga a responsabilidade pra mim. Eu não quero, quer dizer eu quero. Cacete. Calma. Eu quero continuar e não quero terminar. Você quer, você veio com isso do nada.
- Não foi do nada, eu estava pensando.
- Você não estava pensando, tava falando. Pensamento a gente não ouve. Pensamento é mudo, silencioso. Você falou: acho melhor a gente terminar.
- Tava pensando alto.
- Falando.
- Ok. Falando, pensando alto, tudo a mesma coisa.
Silencio.
- E então?
Ele fica olhando para ela.
- Você quer terminar ou não?
- Não.
Ele respira aliviado, da um beijo nela, levanta da mesa.
- Eu quero que você faça alguma coisa pra eu não terminar. Reaja.
- Mas você acabou de dizer que não quer terminar.
- E não quero mesmo.
- Então?
- Então faça alguma coisa antes que eu mude de idéia e resolva querer terminar mesmo.
- Mas e se você achar que está querendo terminar, mas na verdade for só mais um surto?
- Ai nós só vamos descobrir quando já tivermos terminado.
- E quando você descobrir nós voltamos?
- Pode ser que sim.
Ele sorri e vai saindo.
- Mas eu posso demorar a descobrir.
Ele grita lá do outro comodo.
- Não tem problema, eu espero.

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Depois de 26 anos morando com os pais, ele vai sair de casa pela primeira vez, para morar com a atual namorada. Os dois, ele e ela, estão juntando os últimos pertences dele na casa nova casa antiga, ela acha uma caixa de papelão com alguns pertences.
- O que é isso?
Ele está entretido com os brinquedos, viajando no passado.
- Isso o quê?
- Essas coisas nessa caixa.
Ele olha rapidamente e volta a viajar.
- Não é nada.
- O que é?
- São coisas de ex namoradas.
- Ex-namoradas?
- É, pertences.
- Nossa, mas tem bastante coisa aqui.
- Pois é.
- Quantas namoradas você teve.
- Amor, não importa, o que importa é que eu tenho você.
- Ta, mas porque você guarda as coisas das ex’s numa caixa, que espécie de fetiche é esse.
- Não foi por querer, iam esquecendo eu ia jogando ai dentro.
- De qual delas era esse blusinha?
- Não lembro.
Ele continua a mexer na caixa de brinquedos, mas agora por medo de olhar para a fera.
- De quem?
- Amor.
- E esses DVD’s?
- Clarisse.
- Livros, brincos, pulseiras, lenços. Caramba quantas namoradas você teve?
- Não eram namoradas, eram passageiras.
- Passageiras... então pelo jeito aqui é o achados e perdidos.
Ele ri para tentar amenizar o clima. Ela fica séria.
- De quem é esse sutiã.
- Eu não me lembro de quem são essas coisas, eu só ia deixando ai, vamos jogar fora.
- De quem é esse sutiã.
Ele se volta lentamente para ela.
- Esse sutiã é seu.
- Meu?
- É, devo ter jogado ai sem querer.
- Não foi sem querer, foi por querer, foi seu inconsciente dizendo que você quer terminar comigo.
- Oi?
- Ok, eu entendi o recado.
Larga a caixa e vai saindo.
- Vou sair da sua vida.
Volta e coloca o sutiã na caixa.
- Ah agora o sutiã está no lugar certo, nos pertences das ex’s.

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Ele chega em casa, ela está com as malas prontas na sala.
- O que é isso amor, vamos viajar?
- Não.
- Então porque essas malas?
Deixa a pasta no sofá e vai dar um beijo na mulher, ela vira o rosto. Ao fundo da pra se ouvir a torcida gritando “OOOOLÉ”.
- Daniel eu vou embora.
- Embora?
- É. Eu vou te deixar.
- Me deixar?
- Sim. Eu te avisei.
- Me avisou?
- Sim.
- Amor, eu falei pra você parar de me pedir as coisas ou falar quando eu estou dormindo, concordo com tudo. To dormindo.
- Não falei quando você estava dormindo, falei quando estava acordado, bem acordado, varias vezes.
- Eu não me lembro.
Ela saca o celular e mostra varias gravações dela dizendo que qualquer hora iria embora.
“Daniel, é melhor você se espertar”. “Daniel, acorda, um dia você vai chegar em casa eu não vou estar mais aqui”. “Daniel, um dia você vai chegar vou estar com as minhas malas prontas”. “Daniel, Daniel...”.
- Mas eu achei que fosse TPM
- TPM de cinco anos?
Ele fica olhando para ela.
Ela pega as malas.
Se encaminha para a porta, sai. Ele só observa.
- Amor, chega.
Chama o elevador.
- Amor.
O elevador chega.
- Desculpa amor.
Ela entra no elevador.
- Amor chega de brincadeira, já conseguiu me assustar.
A porta do elevador fecha.
- Amor?
As horas e nada. Ele ainda está parado na porta.
Abre a porta do elevador. Ele se anima.
- Amor?
São os vizinhos.

Passam-se dias. Semanas. Meses. Anos. E ele ainda está na porta. Triste. Só se vê um esboço de sorriso no rosto dele quando alguém abre a porta do elevador.

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