Ela
olha no fundo dos olhos dele, não diz nada, parece já ter dito tudo.
-
Então é isso. Você quer mesmo terminar?
Silencio.
- Não.
-
Não?
-
Não, você que quer.
- Eu?
- É.
- Eu
não. Foi você que disse que não dava mais.
- Sim,
eu disse. E não da mesmo. Do jeito que ta não dá.
- Então,
é você quem quer terminar. Não eu.
-
Não, eu não quero. Mas eu também quero que você não queira.
-
Oi?
-
Você não faz nada para mudar e não fez nada para me impedir, então quer dizer
que você quer.
-
Não, eu não quero, não joga a responsabilidade pra mim. Eu não quero, quer
dizer eu quero. Cacete. Calma. Eu quero continuar e não quero terminar. Você quer,
você veio com isso do nada.
- Não
foi do nada, eu estava pensando.
- Você
não estava pensando, tava falando. Pensamento a gente não ouve. Pensamento é
mudo, silencioso. Você falou: acho melhor a gente terminar.
-
Tava pensando alto.
-
Falando.
-
Ok. Falando, pensando alto, tudo a mesma coisa.
Silencio.
- E
então?
Ele
fica olhando para ela.
- Você
quer terminar ou não?
-
Não.
Ele
respira aliviado, da um beijo nela, levanta da mesa.
- Eu
quero que você faça alguma coisa pra eu não terminar. Reaja.
-
Mas você acabou de dizer que não quer terminar.
- E
não quero mesmo.
-
Então?
-
Então faça alguma coisa antes que eu mude de idéia e resolva querer terminar
mesmo.
- Mas
e se você achar que está querendo terminar, mas na verdade for só mais um
surto?
- Ai
nós só vamos descobrir quando já tivermos terminado.
- E
quando você descobrir nós voltamos?
-
Pode ser que sim.
Ele
sorri e vai saindo.
-
Mas eu posso demorar a descobrir.
Ele grita
lá do outro comodo.
-
Não tem problema, eu espero.
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Depois
de 26 anos morando com os pais, ele vai sair de casa pela primeira vez, para
morar com a atual namorada. Os dois, ele e ela, estão juntando os últimos
pertences dele na casa nova casa antiga, ela acha uma caixa de papelão com
alguns pertences.
- O
que é isso?
Ele
está entretido com os brinquedos, viajando no passado.
-
Isso o quê?
-
Essas coisas nessa caixa.
Ele
olha rapidamente e volta a viajar.
-
Não é nada.
- O
que é?
-
São coisas de ex namoradas.
-
Ex-namoradas?
- É,
pertences.
- Nossa,
mas tem bastante coisa aqui.
-
Pois é.
-
Quantas namoradas você teve.
-
Amor, não importa, o que importa é que eu tenho você.
-
Ta, mas porque você guarda as coisas das ex’s numa caixa, que espécie de
fetiche é esse.
-
Não foi por querer, iam esquecendo eu ia jogando ai dentro.
- De
qual delas era esse blusinha?
-
Não lembro.
Ele
continua a mexer na caixa de brinquedos, mas agora por medo de olhar para a
fera.
- De
quem?
-
Amor.
- E
esses DVD’s?
-
Clarisse.
-
Livros, brincos, pulseiras, lenços. Caramba quantas namoradas você teve?
-
Não eram namoradas, eram passageiras.
-
Passageiras... então pelo jeito aqui é o achados e perdidos.
Ele
ri para tentar amenizar o clima. Ela fica séria.
- De
quem é esse sutiã.
- Eu
não me lembro de quem são essas coisas, eu só ia deixando ai, vamos jogar fora.
- De
quem é esse sutiã.
Ele
se volta lentamente para ela.
-
Esse sutiã é seu.
-
Meu?
- É,
devo ter jogado ai sem querer.
- Não
foi sem querer, foi por querer, foi seu inconsciente dizendo que você quer
terminar comigo.
-
Oi?
-
Ok, eu entendi o recado.
Larga
a caixa e vai saindo.
-
Vou sair da sua vida.
Volta
e coloca o sutiã na caixa.
- Ah
agora o sutiã está no lugar certo, nos pertences das ex’s.
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Ele
chega em casa, ela está com as malas prontas na sala.
- O
que é isso amor, vamos viajar?
-
Não.
-
Então porque essas malas?
Deixa
a pasta no sofá e vai dar um beijo na mulher, ela vira o rosto. Ao fundo da pra
se ouvir a torcida gritando “OOOOLÉ”.
- Daniel
eu vou embora.
-
Embora?
- É.
Eu vou te deixar.
- Me
deixar?
-
Sim. Eu te avisei.
- Me
avisou?
-
Sim.
-
Amor, eu falei pra você parar de me pedir as coisas ou falar quando eu estou
dormindo, concordo com tudo. To dormindo.
-
Não falei quando você estava dormindo, falei quando estava acordado, bem
acordado, varias vezes.
- Eu
não me lembro.
Ela saca
o celular e mostra varias gravações dela dizendo que qualquer hora iria embora.
“Daniel,
é melhor você se espertar”. “Daniel, acorda, um dia você vai chegar em casa eu
não vou estar mais aqui”. “Daniel, um dia você vai chegar vou estar com as
minhas malas prontas”. “Daniel, Daniel...”.
-
Mas eu achei que fosse TPM
- TPM
de cinco anos?
Ele fica
olhando para ela.
Ela
pega as malas.
Se
encaminha para a porta, sai. Ele só observa.
- Amor,
chega.
Chama
o elevador.
-
Amor.
O elevador
chega.
-
Desculpa amor.
Ela
entra no elevador.
-
Amor chega de brincadeira, já conseguiu me assustar.
A porta
do elevador fecha.
-
Amor?
As
horas e nada. Ele ainda está parado na porta.
Abre
a porta do elevador. Ele se anima.
-
Amor?
São os
vizinhos.
Passam-se
dias. Semanas. Meses. Anos. E ele ainda está na porta. Triste. Só se vê um
esboço de sorriso no rosto dele quando alguém abre a porta do elevador.
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