quarta-feira, 4 de julho de 2012

Ultimo Pedido


O padre termina de dar a extrema unção. Então balança a cabeça para o guarda sinalizando que ele pode puxar a alavanca. O padre se afasta, o policial se aproxima, coloca a mão na alavanca.
- Pera aí, pera aí, pera aí.
- O que foi? – pergunta o guarda sem tirar a mão da alavanca.
- Eu não tenho direito a um ultimo pedido?
- Não.
- Como assim não? todos tem?
- Todos quem?
- Todos os outros que já morreram assim.
- Que todos os outros, você é o primeiro.
- Primeiro aqui no Brasil.
- Sim.
- Então lá fora já acontece a muito tempo e sempre tem direito a um ultimo pedido.
- Onde você viu isso?
- Vi nos filmes.
- Mas isso aqui não é um filme.
- Sim, eu sei. Até porque se fosse eu já teria desligado.
O policial balança a cabeça e faz que vai puxar a alavanca.
- Opa, opa, opa.
- O que foi?
- Eu não falei ainda qual é o meu ultimo pedido.
- Mas você não tem.
- Poh, o que é que custa. Não acha que todos nós temos direito a um ultimo pedido padre.
- Oi?
- Não acha que ele. – olha pra cima. – ia querer que eu tivesse um ultimo pedido?
- Bem...
- Viu!
Silencio.
- Ta bom, qual é o seu ultimo pedido?
- Deixa eu ver...
Silencio.
- Olha, essa pergunta é difícil hein! – enrola.
Silencio.
- E aí?
- Pera aí... Pera aí...
Silencio.
- Vamos meu turno já esta acabando.
- Calma, é meu ultimo pedido. Não posso desperdiçar.
Silencio. O policial já não está mais com a mão na alavanca.
- Se fosse você o que pediria?
- Oi?
- Se você estivesse aqui no meu lugar.
- Por que eu estaria? – interrompe.
- Não sei, só to exemplificando.
- Tá.
- Se você estivesse prestes a morrer numa cadeira elétrica, e tivesse um ultimo pedido o que iria querer?
Silencio. O guarda fica pensativo.
- Porra, essa é difícil hein?!
- Viu.
- Olha não sei. Isso é uma coisa que tem que pensar com mais calma.
- Concordo com você, me desamarra e deixa eu voltar pra minha cela, quando souber o que quero aviso.
- Rá-Rá... engraçadão. Chega dessa palhaçada, vamos acabar logo com isso.
Ameaça puxar a alavanca.
- Não, não, espera aí, espera aí.
- O que foi?
- Já sei o que eu quero?
- O que?
- Quero pedir desculpa por tudo pra minha mãe.
Todos presentes ficam comovidos. Inclusive o carrasco.
- Ok, e onde está sua mãe?
- Não sei, nunca vi ela.
- Então como quer pedir desculpas?
- Exatamente, quando encontrarem ela, eu peço desculpas e aí posso morrer com a consciência limpa.
Todos ficam em silencio.
- Agora desamarra essa cinta que está me apertando.

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- Você acredita em vida após a morte?
- Vida após a morte?
- É. Acredita que tem alguma coisa depois da morte.
- Olha, acho que não.
- Acha que morreu acabou. Tchau, tchau. Ponto final.
- Sim.
- Não acha que vamos para o céu ou inferno?
- Não.
- Caramba.
- O que?
- Não acredita que vai para o céu ou para o inferno?
- Não. Morreu, morreu.
Silencio.
- Acho que não da mais pra continuarmos juntos.
- Por que?
- Por que não posso ficar com alguém que não acredita em céu, inferno ou reencarnação.
- Por que, qual é o problema?
- Todos.
- Como assim todos?
- Não posso confiar em alguém que não acredita que pode ir para o inferno, ou pagar pelos pecados cometidos aqui, numa próxima vida.
- Ainda não to conseguindo entender o por que?
- Por que você pode me trair e não vai estar nem aí. Afinal de contas vai morrer e nada vai acontecer.
- Aaaah. – da risadas. – nada a ver. E se você me pegar. Aí eu vou pagar.
- Mas é exatamente se eu te pegar que eu to falando. Daí eu te mato, e nada acontece com você. Só morre e pronto.

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- Se existir reencarnação o que você quer ser na próxima?
- O que eu quero ser?
- É, se puder voltar de novo o que você quer ser?
- Eu mesmo.
- Você mesmo?
- Sim.
- Não tem como voltar você mesmo.
- Ué, por que não?
- Por que você já vai ter morrido.
- Mas o que é que tem. Eu revivo.
- Não, você não pode reviver. Tem que reencarnar em outro corpo.
- Outro que não sou eu?
- Isso.
- Então eu queria ser você.
- Eu?
- Porque?
- Pra se amigo de mim mesmo.
- Você não pode ser uma pessoa que já está aqui, por que já tem alguém que reencarnou nesse corpo.
- Quer dizer que eu não sou eu?
- Não, quer dizer, é.
- Ufa!
- Mas então, se outra alma quiser reencarnar em você não pode por que você já está nesse corpo.
- É tipo casa de aluguel.
- Isso. Ninguém vai alugar sua casa, por que você já mora nela.
- Ah, entendi.
- Então?
- Então o que?
- Como você quer voltar?
- Eu não quero voltar não.
- Como assim não quer?
- Não quero, quero descansar. Já tive trabalho demais nessa vida. Vou tirar as outras pra descansar.

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