terça-feira, 27 de novembro de 2012

Fazendo as malas


- Eu não gosto de fazer as malas.
- Eu também não, por isso já compro elas feitas.
- Rá! Rá! Engraçadão.
- Por que não gosta? É só colocar o que você vai precisar e pronto.
- Mas eu não sei tudo que eu vou precisar.
- Leva só o essencial.
- Mas e se o essencial não for o suficiente?
Silencio.
- E é estranho porque na volta a mala fica mais cheia do que na ida.
- Então sua preocupação não é com a ida é com a volta.
- É. Pode ser. Faço a mala pensando na volta. Se vai ter espaço pra fechar na volta.
- Então leva menos coisas.
- Por quê?
- Porque assim fica mais espaço na mala, pra volta.
- Não entendi.
- Você não se preocupa com o que vai levar e ainda por cima fica com espaço pra volta.
Silencio.
- Viagem boa é a aquela voltamos com a mala mais cheia do que quando fomos.

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O pai coloca a cabeça para dentro do carro e pergunta.
- Prontos?
- Prontos! – gritam as crianças em coro.
- Vamos amor.
- Não sei... to com a impressão que to esquecendo alguma coisa.
- O que?
- Se eu soubesse o que é não estaria esquecendo.
- Então vamos.
- Espera aí.
Silencio.
- Vamos. Não quero pegar transito.
- Espera.
- As crianças já estão no carro.
- Chinelo, bermuda, protetor, lençol, fronha.
- Se você esqueceu alguma coisa a gente compra.
- Pra que comprar se tem em casa.
- Tem em casa o que?
- O que eu to com a sensação de estar esquecendo.
- Mas o que é?
- Já disse que não sei. E para de me pressionar.
Silencio.
- Cueca, remédio, biquíni, toalha de mesa.
Silencio.
- Paaaaai.
- Espera a mamãe, ela ta com problema de memória.
- Ronaldo.
Silencio.
- Lembrei.
- O que?
Ela desce do carro. Pega a chave. Abre as 5 fechaduras. Vai para dentro. Volta com uma sacola.
- O que é isso?
- O que eu tava esquecendo.
Ele balança a cabeça. Mais uma vez vira pra trás e pergunta.
- Prontos?
- Prooooontos!
- Calma.
- O que foi dessa vez?
- Ainda to com aquela sensação.
- Vai logo pai, antes que ela resolva voltar.
O pai liga o carro a mando das crianças e vai.

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Depois da primeira noite na casa de praia.
- Bom dia dorminhoco.
- Nossa.
- O que? Solzão né?! Não sei como você consegue dormir tanto.
- Dormir tanto, só dormi duas horinhas, não viu que eu me mexi a noite toda?
- Não, eu tava dormindo.
- Eu dormi mal pra caramba.
- A relaxa, você ta na praia. Não veio pra cá pra dormir.
- Lógico que vim.
Silencio.
- Meu Deus, como tem pernilongo nessa casa. Acho que tava rolando um flash mob de pernilongo na minha orelha.
- Ai amor para de reclamar, você ta na praia.
- E esse calor. Porque você insiste em dormir de coberta mesmo no calor.
- Não sei, não consigo dormir sem o meu edredonzinho.
- E eu tenho que ficar cozinhando.
- Mas é que era a primeira noite de férias, queria dormir de conchinha com o meu amor.
- Com o calor que estava debaixo daquele edredom nós não estávamos dormindo de conchinha, mas sim dormindo de franguinho. Franguinho assado.
- Ai, para de reclama Paulo Henrique, você ta na praia.
- Para de falar que eu to na praia, eu sei que eu to na praia. Ta calor, tem areia na minha cueca e essa maresia ta me dando enjoo. Eu sei que eu to na praia.
- Então, curte.
- Curte o que mulher?
- A praia.

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Na agencia de viagens
- Então o que vocês estão procurando?
- Não sei, algo diferente sabe.
- Pra fazer a gente esquecer da rotina.
- Se desligar totalmente do trabalho.
- Pra fugir sabe?
- Um lugar que não tenha nenhum conhecido.
- Onde não pegue os celulares.
- Com boa comida.
- E boa bebida.
- Boa musica.
- Isso, quero dançar, me acabar de dançar.
- Um lugar que tenha gente bonita.
- Homens bonitos.
- Mulheres bonitas.
- Cachorros bonitos.
- Ah, bonitas e simpáticas.
- Que não julgue sua aparência.
- Um lugar restrito a pessoas boas.
- Ah e tem que ser barato.
- É, juntamos um dinheiro, mas não é uma fortuna.
Silencio. Ele mexe no computador.
- Com essas recomendações que vocês pediram. Deixa-me ver.
Silencio.
Os dois estão felizes por finalmente ter conseguido tirar férias, na mesma época, após ter deixado muitas vezes até de sair se divertir, pra juntar dinheiro.
- Olha aqui, eu até achei um lugar assim.
- Sério.
- Nossa, nem acredito.
- Mas acho que não vai ter como ir.
- Por quê?
- Ta muito caro né, sabia.
- Não seja por isso, eu faço um empréstimo. Nós merecemos.
- Ai amor, que lindo.
- Não, não é pelo fato do preço não.
- Então o que é?
- É que esse lugar não existe.
Os dois ficam em silencio.
- Mas por um valor muito baixo eu tenho o pacote para Pitanguinha.

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O casal chega ao destino depois de mais de nove horas de viagem, pra um lugar onde sem transito demoraria no máximo duas. Ele estaciona o carro. Tiram as bagagens. Ele tira. Encaminham-se para a porta.
- Finalmente férias.
- Não aguentava mais ficar naquele carro.
- Se tivéssemos que ficar mais meia hora juntos dentro daquele carro eu ia direto pra um cartório pedir o divórcio.
- Oi?
- Pera aí, tem alguém na casa.
- Ah não. Só faltava essa, ladrão. Esses bandidos vão me desculpar, mas eu preciso deitar.
Fala e vai girar a maçaneta. Ele da uma cabeçada nela, já que esta com as mãos ocupadas.
- Ta doida.
- O que?
- quer morrer.
- Até parece, morrer.
- Morrer e estragar as minhas férias.
Alguém abre a porta. Ele solta as malas no chão e ergue os braços.
- Leva tudo só não nos mata. É meu primeiro dia de férias.
O homem que abre a porta fica com cara de quem não está entendendo.
- Oi?
- Quem é Dirceu? – grita da cozinha, uma mulher.
- Não sei, mas pediu pra eu não matar ele.
- Tem como ser rápido, eu preciso muito deitar. Pegamos um baita transito.
Ela fala, empurra o homem que está parado na porta para o lado, entra e senta-se no sofá.
- Deitar?
- A próposito, eu não sei porque você está roubando uma casa de praia, não tem nada de bom aqui. Nenhuma tem. As TVs são sempre antigas, olha isso. Tem vídeo cassete, quem é que usa vídeo cassete. Não tem nada que preste, principalmente nessa casa. Nossa Gustavo, você falou que a casa era boa.
- Nas fotos da internet era boa.
- Tudo pela internet é melhor. Não lembra como a gente se conheceu?
- Aé.
- Mas que seja, agora já pagou. Vamos aproveitar.
O homem continua parado na porta sem entender. A mulher que gritou vem da cozinha com uma faca na mão, porque estava descascando alguma coisa.
- Meu Deus!
- Quem são vocês?
- Não faço a mínima ideia.
- É meu primeiro dia de férias. Não me mata. Pode ficar com ela.
- Milton!
- O que vocês estão fazendo na minha casa?
- Alugamos para as férias.
Responde a mulher, do sofá.
- Cade o controle da TV?
- embaixo da almofada.
- Dirceu!
Silencio.
- Como assim alugaram para as férias?
- Alugamos e pagamos adiantado.
- A metade.
- Ah é por isso que o senhor tava comprando um monte de coisinhas novas seu Dirceu?
- Eu não tenho a mínima idéia do que eles estão falando.
- Pode dar a outra metade pra mim.
- Mas o combinado era pagar a outra metade depois.
- Não quero saber qual foi o combinado, a casa é minha também. Se quiser paga, ou vão procurar outra casa.
- Paga de uma vez Milton.
Ele deixa as malas e vai até o carro.
- Mas eu não aluguei nada.
- Alugou sim. Pra 15 dias. Só acho que você devia atualizar as fotos no site porque por lá parecia muito melhor. Isso é propaganda enganosa. Olha essa decoração.
- Calma aí, olha como você fala da minha casa.
Fala a mulher balançando a faca.
- E que história é essa de fotos no site Dirceu, tirou quando eu não tava é? Mas você é muito ligeiro né.
- Eu não sei do que eles estão falando.
- Espero que você tenha alugado bem. Porque eu vou pegar essa outra metade e vou para um SPA. Pensando bem também to precisando de férias.
- Eu queria ter ido para um SPA, mas o Milton é um pão duro. Acabamos caindo numa casa mal acabada na praia.
- Da pra parar de ofender?
- Desculpa a sinceridade.
- Vou ir fazer as malas.
Vai para o quarto.
Dirceu continua parado na porta.
O homem vem contando dinheiro, da para ele.
- Eu não quero seu dinheiro.
- Da pra mulher.
- Não é pra dar pra minha mulher.
- É sim! – grita do quarto.
- Eu não aluguei a casa.
- Alugou sim. Eu não vou sair desse sofá. Começou minha novela.
A mulher vem do quarto com a mala feita.
- Nossa, mas você sempre demora tanto pra arrumar a mala.
- Porque eu nunca tinha ido para um SPA.
Milton da o dinheiro para mulher. Ela pega e se encaminha para a saída.
- Não esquece de molhar as plantas.
- Ok.
- Mas e eu?
- Se vira.
Fala e vai. Milton vai até o telefone, liga para alguém.
- Posso ficar com vocês?
- Tem mais um casal de amigos nosso, vindo pra cá.
- Isso, rua Andorinhas, 567.
- Aqui é o 565.
Silencio.
- Você dorme no sofá.

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